IV Domingo do Advento – Ano B

 

(2Sm 7,1-5.8-12.14.16; Sl 88[89]; Rm 16,25-27; Lc 1,26-28) *

1. A liturgia do Advento nos apresenta uma progressão. A 1ª semana é dominada pela figura de Isaías, o profeta que anunciou a vinda do Messias desde longe; na 2ª e 3ª semana, é João Batista que se destaca, como aquele que aponta o Messias entre nós. Na 4ª semana, a figura central e guia espiritual é Maria, a Mãe que dá à luz o Messias.

2. Nosso Evangelho é um texto bastante conhecido, mas vamos nos reter nas palavras finais de Maria ao anjo: ‘Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra’. Eis aqui o seu ato de fé. Crê em Deus, O acolhe em sua vida e a Ele se confia. Como uma folha em branco onde Deus escreverá o que quiser.

3. Pode nos passar pela mente que a fé de Maria foi fácil. Afinal de contas, tornar-se mãe do Messias era o desejo das jovens de seu tempo. Mas as coisas, bem o sabemos, não foram assim tão simples. A quem ela poderia explicar o que se dava em sua vida? Quem lhe dará crédito ao afirmar que a criança em seu ventre é obra do “Espírito Santo?” Sua experiência é única na história.

4. O filósofo Kierkegaard dizia que crer é como enveredar por uma estrada onde todas as placas sinalizadoras dizem: volte, volte! É como encontrar-se sozinho em mar aberto com toda a sua dimensão horizontal e vertical; é sentir-se completamente lançado nos braços do Absoluto.

5. Assim poderíamos descrever o estado em que se encontrava Maria: em total solidão, sem ter com quem falar, a não ser o próprio Deus. Assim ela experimenta o conhecido ‘risco da fé’. Em desertos a serem atravessados.

6. Temos em nossa narrativa a gravidez fora da coabitação com José com todas as implicações legais do seu tempo; e para isso sua confiança em Deus teve que ser plena, teve que dizer ‘Amém’, palavra que herdamos do judaísmo, e que nós repetimos constantemente.

7. Uma das poucas palavras hebraicas que não ousamos traduzir. Nesta pequena palavra se diz muitas coisas: “Se assim te agrada, Senhor, assim também acolho eu”. É como um ‘sim’ total e alegre que a esposa diz ao esposo no dia do casamento.

8. Maria não dá o seu consentimento com a mesma resignação de quem diz: ‘bem, se não pode ser de outro jeito, que se faça a vontade de Deus’. Seu ‘sim’ é melhor compreendido quando ela canta o seu Magnificat, onde sua alma engradece a Deus e seu espírito exulta de alegria no Senhor. A fé a faz feliz e crê de maneira livre e inteligente.

9. É propriamente essa a dificuldade que encontramos em nosso tempo e que mantém há muitos na incredulidade. Dizer ‘amém’ a alguém, até mesmo a Deus, parece lesar a nossa liberdade e independência. Discordar, não consentir, parece a palavra de ordem em todos os ambientes: político, cultural, social, familiar.

10. E que alternativa temos? O pensamento moderno, partindo dessa premissa, chega, por sua conta à conclusão que na vida é preciso dizer ‘amém’. E se não diz a Deus, dirá a qualquer outro: ao fato, ao destino. O ser humano não tem outro meio de tornar autêntica a própria existência se não aceita o seu destino, que é fixado para sempre na história e na sociedade a que pertence.

11. Mas, deixando de lado aqueles que não creem e respeitando sua liberdade de consciência, a fé é o segredo para vivenciarmos um verdadeiro Natal. Imitamos a Maria na sua concepção espiritual. Crer é ‘conceber’, é dar carne à palavra.

12. Concebe a Cristo a pessoa que toma a decisão de mudar de conduta. Dá à luz a Cristo a pessoa que uma vez tendo tomado tal decisão, a traduz em atos. Cada um sabe o que deve gestar em si e trazer ao mundo como expressão concreta de vida.

13. Concluindo: talvez seja necessário darmos um belo ‘amém’, um ‘sim’ à situação em que neste momento nos encontramos, para sermos mais próximos à Maria e dizermos junto com ela: faça-se em mim segundo a tua palavra. 

* Reflexão com base em texto de Raniero Cantalamessa.

Pe. João Bosco Vieira Leite