(Is 63,16-17.19; 64,2-7; Sl 79[80]; 1Cor 1,3-9; Mc 13,33-37)*
1. Iniciamos mais um novo ano
litúrgico. O ano litúrgico é o ciclo do tempo no qual a Igreja revive todo o
mistério de Cristo, do seu nascimento até o seu retorno no fim dos tempos.
2. Dentro deste ciclo temos
períodos breves, como o do Advento que hoje iniciamos em preparação ao Natal.
Esse é o ano de Marcos, que não fez parte dos doze, mas foi discípulo e
‘intérprete’ de Pedro do qual escreve suas recordações e pregações.
3. Assim seu escrito tem por
base uma testemunha ocular de particular importância. Certamente escreve em
Roma, onde Pedro foi muito ativo nos últimos anos de sua vida. Seu evangelho
foi o primeiro a ser escrito. Um texto breve e narrativo que nos permite
aproximar-nos da figura de Jesus.
4. O texto escolhido para esse
domingo nos traz essa visão bem precisa que Jesus tem do mundo. Em síntese, ele
nos diz que o tempo presente é como uma longa noite; a vida que levamos se
assemelha a um sono; a atividade frenética que nessa desenvolvemos seria na
realidade um sonhar.
5. Se para algumas culturas o
sono pode ser símbolo da morte, na Bíblia está muito mais para a vida. A vida é
um sonho; a morte será um despertar, para muitos um despertar brusco.
6. Do sonho, a nossa vida
reflete algumas características bem precisas. A primeira é a brevidade. Ele se
dá fora do tempo e vivemos, em poucos minutos, coisas que na vida real durariam
dias ou semanas. É uma imagem da nossa vida: com o tempo e a idade, podemos
olhar para trás e ter a impressão que tudo passou rápido, como um sopro.
7. Outra característica é a
irrealidade ou vaidade. Alguém pode sonhar de estar num banquete e comer e
beber até se saciar; depois desperta com toda uma fome. Ou mesmo de ser alguém
muito rico, que se pavoneia, despreza os outros e acorda pobre como antes.
8. Assim pode ser aquele que se
prende demasiadamente a certas coisas nesse mundo sem a usarmos para o bem e de
repente despertará de mãos vazias. Vaidade.
9. Há uma característica que não
se aplica à vida: ausência de responsabilidade. No sonho se pode matar ou
roubar e ao despertar não restará nenhum traço de culpa. Na vida, o que alguém
faz, por mais oculto que pareça ser, deixa rastros.
10. Vivemos numa sociedade
profundamente marcada pelo problema da insônia e recorremos a medicamentos e
fórmulas que nos ajudem a dormir. Mas também, sobre o plano moral existe um
terrível sonífero chamado: hábito.
11. Não estamos falando dos bons
hábitos, que são virtudes, mas dos maus hábitos, ou de fazer as coisas
mecanicamente, sem alguma convicção e participação interior. Alguém compara que
o hábito é como um vampiro, esse personagem da ficção que ataca as pessoas
enquanto dormem e sugam o seu sangue.
12. O hábito, como o vício,
adormece a consciência, e o indivíduo não sente mais remorso, crê estar bem e
não se dá conta que está morrendo espiritualmente. A única salvação, quando
este ‘vampiro’ nos ataca é que alguma coisa improvisadamente venha nos despertar.
13. É esta a função da Palavra
de Deus nesse tempo do Advento: despertar! ‘Vigiai’, é um convite a despertar
desse sono em que muitas vezes envolve a nossa existência. Se temos uma meta e
essa é a vida com Deus, temos que estar atentos.
14. A Palavra de Jesus diz que
devemos estar atentos, como um empregado que espera seu patrão retornar de
viagem. A oração é o conteúdo principal dessa vigilância. Não nos serve de
consolo dizer que ninguém sabe quando será o fim do mundo. Há sempre um retorno
de Cristo e um fim que nos vem na nossa existência pessoal. ‘Vigiai’, é a
palavra de ordem!
* Reflexão com base no
texto de Raniero Cantalamessa.
Pe. João Bosco Vieira Leite