(Is 40,1-5.9-11; Sl 84[85]; 2Pd 3,8-14; Mc 1,1-8) *
1. Tanto na 1ª leitura quanto no
Evangelho há uma menção ao deserto, primeiro como realidade física. Quase 33%
da superfície terrestre é ocupada por deserto. Fala-se desse fenômeno da
desertificação a nível mundial expulsando milhares de pessoas. O deserto
avança.
2. Mas não é esse o nosso
assunto. Quero falar de um outro deserto: não fora de nós, mas dentro de nós ou
muito próximo. Existe uma outra desertificação que avança implacável. A aridez
das relações humanas, a solidão, a indiferença, o anonimato.
3. O deserto é esse lugar em que
se grita e ninguém escuta, cai por terra e ninguém se aproxima, animais ferozes
lhe atacam e ninguém lhe defende e, se experimenta uma grande alegria ou uma
grande dor, não há com quem dividi-la. E não é isso que acontece a muitos em
nossas cidades? O nosso agitar-se ou mesmo o nosso grito, não é comumente um
gritar no deserto?
4. E o perigo maior pode dar-se
dentro de nós, quando o nosso coração torna-se um deserto: árido, desligado,
sem afeto, sem esperança, arenoso... Não conseguimos abandonar o trabalho, o
celular, o rádio, o fone de ouvido... temos medo de encontrar-nos no vazio,
conosco mesmo, com nossa própria realidade.
5. Já percebemos que quanto mais
aumentam os meios de comunicação, mais diminui a verdadeira comunicação. Por
vezes pode nos vir a aquela sensação de saturação. Se no passado a TV aparecia
como uma ameaça ao diálogo familiar, percebemos, em algumas situações, que ela
veio preencher o vazio já existente.
6. Mas aquele que grita no
deserto, proclama uma grande notícia. João Batista anuncia a vinda de Jesus Cristo
sobre essa terra. Sua linguagem é simples, mas eficaz. Ele recebeu a missão de
sacudir o mundo do torpor, de despertar do grande sono.
7. Uma longa espera, em termos
vagos, habitava as Sagradas Escrituras. E, de repente, de um homem proclama com
toda segurança que o momento chegou. Que excitação não deve ter causado esse
pregador aos que o escutavam.
8. Esta voz se dirige também a
nós, que por vezes atravessamos um deserto espiritual. João Batista morreu, mas
sua função continua, seja na voz da Igreja, dos vários pregadores que tentam
aplainar a estrada para que Ele chegue a nós.
9. João Batista nos lembra que
Ele batizará no Espírito Santo. É através do Espírito que Jesus faz florescer e
transformar o nosso deserto. Batizar no Espírito é derramar seu amor sobre nós,
como nos lembra Paulo na carta aos Romanos (5,5).
10. O amor é a única ‘chuva’ que
pode combater a progressiva desertificação espiritual em nós. O Evangelho é o
anúncio do amor de Deus por nós e entre nós. O que traz esse amor de Deus às
nossas necessidades cotidianas?
11. Se um grande rio seca, todos
os canais laterais que ele atingia também secam. Mas se está pleno, todos os
canais se abastecem. Se sairmos fora dessa fonte que é o amor de Deus, todos os
outros amores sofrem.
12. A nossa civilização, toda
dominada pela técnica, tem necessidade de um coração para que o ser humano
possa sobreviver nessa. Mesmo os não crentes são convictos de que devemos dar
mais espaço às ‘razões do coração’, se quisermos evitar que a humanidade entre
numa nova ‘era glacial’.
13. Não sofremos tanto a falta
de conhecimento, de espírito crítico de um tempo atrás, mas a falta de
generosidade, de coração e de credulidade. Mas em meio a esse deserto, o
Espírito faz florir inciativas, pequenos oásis que alimentam nossa esperança, sejam
elas de expressão religiosa ou não, como serviços de escuta, pessoalmente ou
através de telefone (CVV).
14. A proximidade do Natal
reacende em nós esse sentido dessa expressão do amor de Deus por nós em seu
Filho Jesus, e este, por tabela, veio recordar-nos aquilo que nos identifica
enquanto seres humanos em nossas relações. Dom Helder Câmara dizia: “O Caminho
que não é percorrido, o mato toma conta”.
* Reflexão com base em texto de
Raniero Cantalamessa.
Pe. João Bosco Vieira Leite