Segundo Domingo de Páscoa – Ano A

(At 2,42-47; Sl 117[118]; 1Pd 1,3-9; Jo 20,19-31)

1. A vida dos apóstolos após a morte e ressurreição de Cristo não foi muito fácil. Haviam recebido a missão do Mestre de levar a todo o mundo a Boa Nova, como extensão da própria missão que Jesus recebeu do seu Pai. Mas no meio deles há um refratário em acolher a alegre notícia da Ressurreição, que constitui o núcleo essencial do anúncio missionário.

2. Ele não confia no testemunho dos seus companheiros. Quer ver, tocar, conferir. Não é aqui um estranho, um inimigo ou alguém hostil que deseja tais provas, mas um de casa. Se ele age assim, imagine o que se pode esperar dos outros que não viveram pessoalmente com Jesus.

3. Ele deixa claro de não contentar-se só com o vê, talvez sua visão possa enganá-lo: quer tocar. Por que ele, infelizmente ausente, deve contentar-se de crer a partir das palavras dos outros?

4. Não é difícil, para alguém em nosso tempo, reconhecer-se na atitude de Tomé, precursor, em certo sentido, de uma mentalidade dominada pela tecnologia e pela ciência, para a qual o que conta é ver, tocar, pesar, medir, analisar, calcular....

5. Parece que falta quase que totalmente ao nosso tempo um modo de conhecer pela contemplação, onde os sentidos são substituídos pelo silêncio, atenção, admiração, amor, intuição, poesia.

6. Assistimos a uma pavorosa mutilação dos espíritos, pela qual o ser humano não reconhece aquilo que supera suas capacidades naturais. O mistério lhe é estranho, objeto de suspeita e por fim de zombaria.

7. A vida, assim, se empobrece, banalizando-se. Obstinado em ter, prazer, produzir, consumir, não consegue descobrir o sentido autêntico da vida, porque está sempre preocupado em melhorar o padrão de vida. Do momento que Deus não se encontra numa proveta ou num composto eletrônico, não se sabe nada. E como se não existisse. Não interessa.

8. E assim encontramos Tomé diante do crucificado ressuscitado, que parece disposto a satisfazer sua curiosidade, e seu desejo de realidade e concretude. Quando Jesus avança em sua direção, de modo imprevisível, ele renuncia tal verificação com uma grande resposta: ‘Meu Senhor e meu Deus!’.

9. É a resposta de um homem transformado pela presença do Senhor, cujos sentidos são purificados; já não tem necessidade dos mesmos. Ele não tem mais necessidade de tocar. De agora em diante o contato com Jesus se realiza pela fé, ao interno de uma comunidade fundada no testemunho. Ele vê através dela, pelo Espírito.

10. E brota assim a única bem-aventurança registrada pelo Evangelista: ‘Bem-aventurados os que creram sem ter visto’. O milagre não conduz necessariamente à fé. Ele é o prêmio de quem crê. No fundo, o verdadeiro milagre é crer.

11. Por fim, João explica o motivo pelo qual escreveu o seu evangelho (20,30-31). Não é um livro para satisfazer curiosidades ou aumentar a bagagem de conhecimento, mas para alimentar a fé, fazer crescer na fé, sustentar um longo itinerário da fé. Neste caminho, podemos adotar tranquilamente como companheiro de viagem a Tomé, aquele que não estava lá.

12. Um como nós, que não cai logo de joelhos, que não confia, que resiste, que tem dúvidas, hesitações; que permanece obstinadamente num nível ‘terrestre’, que tem necessidade da infinita paciência de Deus, que não se rende fácil. Mas que através desse longo e tormentoso itinerário, guiado pelo Espírito, descobre por fim, o gesto adequado e a palavra mais simples para dizer a coisa mais importante: “Meu Senhor e meu Deus”.

Pe. João Bosco Vieira Leite