4º Domingo da Páscoa – Ano A

(At 2,14.36-41; Sl 22[23]; 1Pd 2,20-25; Jo 10,1-10)

1. Este evangelho que acabamos de ouvir nos fala de ovelhas, de redil, de porteiro, de estranho, ladrões e assaltantes. Mas objetivamente nos fixamos na relação entre pastor e ovelhas. Para compreender corretamente, é necessário reconstruir essa cena a partir do ambiente palestinense.

2. Num mesmo redil se alojam diversos rebanhos pertencentes a donos diferentes, que à noite, confiam as próprias ovelhas à vigilância de um guardador. Pela manhã, os vários pastores se apresentam e cada um deles começa a chamar suas ovelhas que, assim saem e o seguem.

3. Mesmo assim misturadas, as ovelhas respondem unicamente ao chamado do próprio patrão. Não vão atrás de um outro pastor, que para elas seria um ‘estranho’. É a voz que permite o reconhecimento. “Mas não seguem um estranho, antes fogem dele, porque não conhecem a voz dos estranhos”, nos informa João.

4. Sublinhemos este particular, que constitui um pouco a chave de compreensão do nosso texto. As ovelhas, no redil, durante a noite, podem experimentar a sensação de ter perdido o pastor, de ter sido abandonada por ele. O encontram, pela manhã, não quando o veem, mas quando ‘escutam a sua voz’. E assim se dá o encontro, o reconhecimento recíproco, graças a uma espécie de ‘liturgia da voz’.

5. É a voz que permite distinguir o pastor dos estranhos. É a voz que que restitui o que foi roubado aos olhos. Isso nos remete àquela cena de Maria Madalena, na manhã de Páscoa, que buscava ‘ver’ o seu Senhor, e chora por lhe haverem retirado um corpo. Mas o reencontra no som de uma voz: ‘Maria!’. Os olhos não lhe permitiram reconhecer Aquele que ela achava que era um jardineiro.

6. A voz não trai. Aquele timbre, aquele tom, o nome pronunciado daquela maneira, faz despertar o ‘reconhecimento’. Também ela, como as ovelhas, reconhece o Pastor quando o sente pronunciar o seu nome.

7. O pastor chama a cada uma por seu nome. Para além do reconhecimento da voz única, inconfundível, está o reconhecimento do próprio nome. Se trata de um pastor que se ocupa, não de um rebanho, de uma massa, mas de uma ovelha em particular. É justamente essa relação pessoal, íntima, a relação que se estabelece entre nós o verdadeiro Pastor, e o diferencia dos demais.

8. Podemos extrair daqui o tema da nossa singularidade diante de Deus a as consequências lógicas. Eu não sou um entre tantos. Sou único. Não sou um número confuso na quantidade. Sou um ser único, inconfundível, irrepetível. A minha existência é um evento original. Diz um provérbio popular: “Deus lhe fez e depois jogou fora a forma”. Isso é uma verdade para mim e para milhares de criaturas.

9. Deus não trabalha em série. Cada ser humano é criado com características peculiares, exclusivas. Deus concede a cada criatura a exclusividade de Sua imagem. E cada um nasce com uma ‘missão’ única a desenvolver no mundo. Comumente se diz que ninguém é insubstituível. E não é verdade. Somos chamados a produzir uma nota original, insubstituível, no concerto do universo.

10. Se não me realizo, se não sou eu mesmo, privo o mundo, a Igreja, de algo que somente eu sou capaz de ser, de realizar. Posso fazer-me substituir num trabalho, mas não posso fazer-me substituir na vida. Por aquilo que faz, mesmo que possa parecer inútil, por aquilo que é, por aquilo que é chamado a ser, será sempre indispensável.

11. Mas voltemos à voz. Esse ser chamado pelo nome, não é somente um fato de ‘reconhecimento’. Aquela voz é um apelo. Quando me sinto interpelado pessoalmente, sinto uma solicitação a mover-me, a colocar-me a caminho, a seguir o Pastor. Não é simplesmente uma voz consolante, como a me ninar. Mas um imperativo que me desperta. A resposta a essa voz se dá ao longo da estrada. Despertemos os nossos ouvidos à voz do Bom Pastor.  

Pe. João Bosco Vieira Leite