3º Domingo da Páscoa – Ano A (

At 2,14.22-33; Sl 15[16]; 1Pd 1,17-21; Lc 24,13-35)

1. A narrativa dos dois discípulos de Emaús é algo paradoxal. Imagine alguém, ao interessado, narrar a sua própria morte, com detalhes de seu funeral e o embaraço provocado aos amigos. Por outro lado, tais discursos sobre a morte são os que também fazemos àquele que vive para sempre.

2. Apresentamos o quadro negro da situação presente àquele que é a ‘luz do mundo’. Nossas desilusões, amarguras, desafios e derrotas, àquele que é o Vencedor. Como se ele fosse um estranho às coisas que aqui acontecem. Somente notícias ruins temos a comunicar àquele que nos trouxe uma extraordinária ‘boa nova’.

3. Será que não temos nada de belo, alegre, confortante para partilhar?  Tem quem prove um gosto particular – quase sádico – de informar aos outros acerca dos motivos de desânimo e desconforto. São os especialistas do ‘desconforto’, como esses dois discípulos ao serem questionados sobre o que conversam...

4. Três dias parecem para eles uma eternidade. Não sabem esperar. Não conseguem, como dizem os árabes, a ‘morrer de paciência. Não sabemos pagar o preço da paciência pelos ideais que carregamos no coração. Basta uma refutada da realidade para que tudo se perca. Somos incapazes de sofrer em silêncio.

5. Temos necessidade de ver logo reconhecidas, aplaudidas, as nossas ideias. A nossa esperança tem o fôlego curto. Sendo assim ela não é mais esperança, mas cálculo humano, prudência ‘da carne’, mesquinha contabilidade burocrática. Somos incapazes de ver ‘além’.

6. Para além do obstáculo, para além do insucesso imediato, para além da incompreensão, para além da rejeição, para além da confusão. Em meio ao túnel escuro não conseguimos perceber aquela luz que só pode ser percebida com a inevitável e tormentosa purificação dos olhos. Diz o texto que Jesus caminhava com eles, mas estes não o reconheceram.

7. Sabemos bem dessa nossa dificuldade de saber ‘reconhecer’ a luz. Da nossa fragilidade em ‘reconhecer’ a força. Conhecemos bem essa nossa solidão que não consegue perceber esse discreto companheiro de viagem que caminha ao nosso lado, principalmente quando se faz vazio ao nosso redor.

8. É o desconhecido. Irreconhecível do nosso cansaço, do nosso peso, do nosso infantil calendário. Ele permanece desconhecido. Porque sabemos tantas coisas. Fazemos tantas ideias sobre ele. Mas não o conhecemos verdadeiramente. “Como sois lentos e sem inteligência para crer em tudo que os profetas falaram...” 

9. Volta aqui a velha questão: quando tomamos seriamente a sua Palavra? Quando nos especializamos nela, através da leitura, do aprofundamento, da reflexão, da oração, do confronto assíduo, cotidiano, obstinado, apaixonado? Não lamentemos a nossa incapacidade de não sabermos ler os fatos que nos dizem respeito, ou lê-los de modo pessimista, confuso...

10. Jesus remonta à Moisés. Do começo. Nossa vida precisa desse olhar. Se nos deixamos instruir por Deus, desde o começo e se precisamos nos deixar reeducar pelo Evangelho. Não é para termos respostas seguras, prontas, mas para sabermos ver melhor, compreender mais, dar-nos conta do que acontece e tornar-nos protagonistas. 

11. Ao fim dessa caminhada, dizem eles: ‘Fica Conosco pois já é tarde, e a noite vem chegando!’. Finalmente encontram uma palavra sensata. Eles se dão conta que na realidade são eles os desinformados, pois é obscuro para eles o significado dos fatos que sabiam apenas recontar, repassar...

12. E Jesus ficou com eles. De agora em diante poderemos encontra-lo em nossa estrada. Vem discreto. Tem um rosto comum daqueles que passam por mim ou me param nesses encontros improváveis. Que exige nossa atenção para reconhecê-lo. Há encontros que são reveladores, transfiguram.

13. A Páscoa é um dom de luz, que nos vem pelos olhos bem abertos. Pecado é mantê-los fechados: ‘Veio para os seus, mas os seus não o reconheceram...’ (cf. Jo 1,10). Nós, que nos sentimos no direito de mastigar nossas amarguras por Sua ausência ou atraso, na realidade somos culpados de não reconhecê-lo. Se se faz somente ‘noite’, a culpa é nossa.


Pe. João Bosco Vieira Leite