Natal do Senhor – Missa do Dia

(Is 52,7-10; Sl 97[98]; Hb 1,1-6; Jo 1,1-18)

 

1. Esse prólogo que acompanhamos em sua versão cantada e que podemos retomar nos versículos iniciais do nosso evangelista, é considerada por alguns como a história do mundo em 18 versículos. Sua estranha introdução não segue o estilo clássico que busca precisar o argumento, a fonte, o método, os destinatários...

2. Um belo poema composto de 18 versículos bastante concisos. Onde cada palavra conclusiva de um versículo é retomada no versículo seguinte. Mas não se trata de simples poesia. Aqui aparece as grandes ideias que atravessam o seu evangelho, e sintetiza centenas de páginas do Antigo e do Novo Testamento.

3. Há uma realidade de fundo: o amor de Deus, que se exprime num projeto que alcança o ser humano de todos os tempos, que chega também a mim, aqui e agora.

4. Uma trajetória que parte da eternidade e toca o instante da história, no tempo, e declara ao ser humano o seu amor e lhe revela seu plano: fazê-lo filho, fazê-lo nascer do alto e não mais da ‘carne e do sangue’.

5. Nessa narrativa de João, o Personagem principal não chega depois de uma série de personagens menores. O Protagonista aparece logo ao início. Mesmo antes de João Batista. Pois no princípio estava o Verbo. Até parece querer corrigir o Gênesis. Mas na realidade, a palavra vem antes da obra criadora, pois esta só é possível graças ao Verbo, a palavra: ‘tudo foi feito por ela, e sem ela nada se fez de tudo que foi feito’.

6. O Verbo traduz o termo ‘Logos’ dos gregos. Mas não se trata de algo abstrato. Aqui em João, a palavra assume características de uma pessoa histórica, vivente e concreta. Uma palavra que tem um conteúdo: o projeto divino a ser executado. Não é uma palavra sobre Jesus, mas o próprio Jesus é a palavra de Deus.

7. João não se intimida em afirmar desde o início que a palavra estava com Deus e era Deus mesmo. Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens. Com a sua vinda na história, ele arranca da morte o poder de apagar a chama da vida. Luz e Vida são inseparáveis.

8. Jesus é a própria vida, e conhecer essa vida traz a experiência da luz que guia os nossos passos, e que se torna norma de vida e de conduta. Essa Palavra se torna ‘carne’, o que significa o ser humano em sua totalidade: um ser de relações, tangível, visível, capaz de comunicar-se, mas também frágil.

9. O Natal nos faz tocar essa realidade de um Deus-menino, pobre, indefeso e perseguido. Que veio habitar entre nós. Armou sua tenda em nossa terra. Habita em meio a nós. A humanidade de Jesus inaugura um novo Templo, não como massa estática e fixa, mas como um caminho na história, não com os objetivos da carne, mas aqueles do Espírito, que só Ele sabe onde vai dar.

10. Mas tem também o drama: ‘veio para o que era seu, mas os seus não a acolheram’. No ser humano há sempre a possibilidade de rejeição, a vontade de não reconhecimento, obstinação a fechar os olhos diante da luz, se opor a deixar iluminar o caminho, a receber um significado para a própria existência.

11. Em cada um de nós pode estar a escolha da sombra, das trevas. E as trevas não são somente ausência de luz, mas uma força negativa que se opõe obstinadamente à luz, a contrasta, uma força de morte que sufoca a vida. E este é um drama que se faz sentir cada dia.

12. ‘E nós contemplamos a sua glória’, nos diz João. Por sorte tem também quem decide abrir os olhos, reconhecer, acolher, contemplar. A estes olhos arregalados diante do seu mistério, Ele se revela em sua glória. Não só sua graça e verdade, mas também sua ternura e misericórdia.

13. Esse amor louco pelo ser humano, como bem entendeu Paulo. É o amor de Deus em Cristo Jesus. ‘Amor que não se mede, amor que não se pede, que não se repete’. Que não diminui diante da rejeição. Seu amor é a realidade mais sólida, mais segura com que se pode contar.     

 Pe. João Bosco Vieira Leite