(Is 35,1-6.10; Sl 145[146]; Tg 5,7-10; Mt 11,2-11)
1. Continuamos com a figura de João Batista em 1º
plano. Agora ele atravessa um outro deserto, o da prisão. Foi preso por ter
dito a Herodes, sem nenhuma diplomacia, uma verdade desagradável. João lhe faz
ver que o poder não significa que tudo lhe seja permitido.
2. É estranho que, no deserto, João vê e apresenta
Jesus como o Messias e, na prisão, parece não ter uma opinião precisa. Aquele
que ele desejava ver crescer enquanto ele diminuía, o surpreende. Não quer
aplausos, não se manifesta abertamente, não enfrentava diretamente os poderes
da época.
3. Enquanto João falava de colheita, como quem traz
uma foice, Jesus usa termos de ‘semeadura’. João esperava que o Messias
sistematizasse claramente e definitivamente as coisas. Mas Jesus acolhe a
todos, faz refeições com publicanos e pecadores.
4. Jesus deixa a entender que o juízo se dará ao
final, que ele não veio ‘sistematizar’ as coisas, mas encaminhar alguma coisa,
não separar, mas acolher. João havia descrito o Messias como um fogo
devorador. Jesus descreve as próprias ações em termos de misericórdia.
5. A resposta de Jesus vem de suas ações e
palavras. Jesus conclui com uma afirmação ainda mais desconcertante: ‘Feliz
aquele que não se escandaliza por causa de mim!’. É certo que o Messias realiza
obras, mas não são aquelas que esperava o Precursor e, com ele, muita gente do
seu tempo.
6. João foi capaz de perceber o tempo da chegada,
mas se atrapalhou no modo. Soube indicar exatamente o Esperado, mas não se
centrou no estilo do seu agir. Talvez esse tenha sido um martírio maior para
ele do que a própria prisão que sofria.
7. Um Deus que fala diferente do que esperamos, que
não se comporta segundo as nossas razoáveis previsões, que não escuta as nossas
sugestões, que não segue os nossos cerimoniais, certamente se torna
insuportável. Talvez nem seja mais Deus.
8. Defender a causa de um Deus que não abraça as
nossas causas, que nos desmente regularmente, é a coisa mais difícil. Não é um
martírio, mas a prova decisiva da fé.
9. Para João, assim como para nós, é um desafio
acolher um Deus diferente das nossas ideias, dos nossos esquemas, das nossas
imagens habituais. Jesus representa a ruptura com todas as representações de
Deus do tempo de João e do nosso.
10. É necessário purificar continuamente e
acuradamente a nossa ideia de Deus, confrontando-a com a imagem autêntica,
mesmo que desconcertante da nossa mentalidade, manifestada por Cristo. Certo
ateísmo, não é a rejeição de Deus. É a rejeição de sua caricatura.
11. Uma escritora francesa, em seu livro
autobiográfico, recorda o tempo da sua adolescência em que estudava num colégio
tido como religioso em que ela ia a igreja para desafogar suas desilusões. Por
vezes chorava e batia fortemente o punho no banco dizendo: ‘ó Deus, eu quero
que tu sejas diferente de como me vem apresentado!’.
12. Somente quando conseguimos aceitar
um Deus ‘diferente’, que desmascara nossas tentações idolátricas, que destrói
continuamente as nossas classificações e sistematizações, é que temos a
possibilidade de conversar com Deus com uma linguagem sempre inadequada, mas
que respeita o mistério, que busca adivinhar as profundidades, que nos convida
a aventurar-nos...
Pe. João Bosco Vieira Leite