(Is 11,1-10; Sl 71[72]; Rm 15,4-9; Mt 3,1-12)
1. Esse trecho do profeta Isaías que acompanhamos
como 1ª leitura causa-nos certo incômodo. Suas palavras soam como uma amarga
ironia. Pois na sua visão dos dias futuros do Messias, dessa harmonia entre
lobos e cordeiros e da paz em abundância cantada pelo salmista, pouco se
concretizou.
2. De que paz estamos falando? Pois o mundo, com
uma regularidade impressionante, continua a conhecer e a experimentar as
guerras. Sejam elas a nível mundial, entre países, povos ou ideais políticos.
3. Em seu poema, Charles Péguy nos apresenta Joana
d’Arc, na chamada guerra dos “Cem Anos” entre França e Inglaterra. Esta, após
rezar o Pai-nosso, comenta amargamente: “Pai nosso que estais nos céus, como é
distante o teu Reino que deve chegar! Como é distante a tua vontade a ser
feita! Como estamos longe de ter o nosso pão cotidiano”. E poderíamos
acrescentar: “Como é distante a tua paz em abundância”.
4. A atual situação em que se encontra o nosso
mundo, faz desacreditar as palavras do profeta. Este é um dos motivos pelo qual
o povo judeu não crê em Jesus como o Messias: porque não vê concretizada as
profecias messiânicas, ao interpretarem de modo literal, e em particular a
profecia sobre a paz. Como entender tudo isso?
5. Quando Jesus nasce em Belém, ele é denominado de
príncipe da paz. A paz vem sobre a terra. Ele mesmo diz aos seus apóstolos:
“Vos dou a minha paz, não como o mundo a dá” (Jo 14,27). Jesus deixa claro que
existe uma outra paz. Que esta não se resume na simples ausência de guerras, ou
no equilíbrio de forças contrárias.
6. Paz é antes de tudo harmonia, plenitude,
segurança de vida. ‘Fruto da justiça’, nos diz a Bíblia. “Tranquilidade da
Ordem” a define Santo Agostinho: da ordem entre nós e Deus, entre nós e o
próximo, entre uma classe social e outra, entre a razão e os instintos dentro
de cada um de nós.
7. A Paz é ‘fruto do Espírito’, conclui as
Escrituras – é o próprio Cristo. Na palavra paz há infinitamente mais do que
aquilo que possamos imaginar. Se perguntássemos a algumas pessoas o que elas
desejam acima de tudo na vida, a maioria responderia: a paz!
8. A paz do coração ou interior é a única que pode
favorecer também a outra paz, aquela exterior. São Tiago diz: “Donde vêm os
conflitos, donde vêm as rixas entre vós? Não é de vossos prazeres que guerreiam
em vossos membros?” Se pensarmos bem, todas as guerras nascem no coração
humano, em corações humanos bem precisos...
9. Milhares de gotas de água suja não fazem um
oceano mais limpo. O destino da paz se decide no coração humano. Contudo, não
nos iludamos. A paz total, interna e externa, é algo reservado ao final da
nossa história. Quando se derem, segundo o apóstolo Pedro, “os novos céus e a
nova terra” (2Pd 2,13).
10. Neste meio tempo em que vivemos, a receita
verdadeira da paz está contida na palavra que hoje lemos no Evangelho:
“Conversão”. Isso requer uma radical mudança do coração. Converter-se à paz. E
essa se obtém na vitória sobre si mesmo, não sobre os outros.
11. Eu não posso sozinho, fazer chegar a paz àquela
parte do mundo em que atualmente há guerra. Mas posso fazê-la chegar à minha
casa, realizando-a entre mim e meu irmão, entre você e sua esposa ou seu
marido, entre ti e sua cunhada, sua sogra, tua nora, entre ti e seus colegas de
trabalho...
12. Que direito tenho eu de lamentar o que acontece
em certos países, quando no meu pequeno mundo eu sigo a lógica do domínio e da
imposição tirânica da minha vontade? “Bem-aventurados os que promovem a paz.
Serão chamados filhos de Deus”, nos diz Jesus.