26º Domingo do Tempo Comum – Ano C

(Am 6,1.4-7; Sl 145[146]; 1Tm 6,11-16; Lc 16,19-31)

1. A parábola que acabamos de escutar pode ser perigosa pela simplificação que se pode dar à mesma. Como, por exemplo, tudo se resolverá no além, que tudo se inverterá: os ricos vão para o inferno e os pobres para o paraíso. Que a justiça será feita.

2. Aos pobres caberá ter paciência e esperar que o rico termine o seu banquete e que tenha uma bela sepultura.... Porque no paraíso, os pertencentes a categoria de Lázaro terão a revanche.

3. Nenhuma concepção é mais inadequada ao espírito bíblico do que essa ‘resignação’ de remandar aos céus a solução de todas as injustiças presentes. A fé, não esqueçamos, é antes um princípio de indignação, de luta, não só de resignação.

4. O juízo de Deus também se dá na história presente e não só no juízo final. Precisamos colher dessa parábola seu significado mais genuíno.

5. O pobre tem um nome: Lázaro, que significa ‘Deus ajuda’. O rico não tem nome. Segundo a concepção semítica, o nome exprime a realidade profunda da pessoa, resume sua história. Esse rico não tem nome porque não tem história, constrói a sua existência sobre o vazio.

6. Não são poucas as pessoas que perderam o próprio nome, porque o substituíram por outros: ‘riqueza’, ‘carreira’, ‘poder’, ‘sucesso’, ‘trabalho’... Nos perguntamos: é verdade que na eternidade as situações presentes se invertem? No caso do rico parece que não. Sua sorte por lá outra coisa não é do que a fixação definitiva do que viveu aqui.

7. Ele é um isolado. Separado. A riqueza o fecha em seu egoísmo. Empenhado em olhar sempre o prato cheio, não vê o pobre à sua porta. Os cães veem melhor que ele. O inferno não é outra coisa que a consagração desse estado de separação, de distanciamento.

8. Separação de Deus e dos seus amigos (Abraão, Lázaro), porque aqui viveu distante dos outros, separado dos verdadeiros valores, preso ao ter. Talvez nos perguntemos, mas lá ele vive também os tormentos como consequência, de ter vivido a felicidade de uma vida de luxo, acumulando dinheiro...

9. Talvez devamos pensar que não há maior tormento do que uma vida vazia ou cheia de coisas inúteis, que dá no mesmo. Não há tortura maior que o isolamento, o fechamento aos outros, de não ver além do próprio umbigo. De não estender a mão ao outro, de sufocar as exigências do espírito. Existem infernos dotados de todo conforto.

10. Portanto, a parábola não tem a intenção de nos revelar o que se passa na eternidade, mas quer nos advertir seriamente que a sorte do ser humano se define aqui, hoje, neste momento. É o presente que se fixa na eternidade. O rico só se dá conta que precisa dos outros quando não há mais tempo.

11. Parece preocupar-se dos irmãos, mas os encontros se dão aqui, as relações se estabelecem sobre essa terra. É somente hoje que nos libertamos do próprio passado, e garantimos assim o futuro. Para tudo isso, nos lembra a Parábola, temos a Palavra de Deus.

12. Não precisamos de milagres excepcionais, como aquele de um morto que vem nos trazer alguma mensagem. A fé não nasce dos milagres. A palavra é o verdadeiro milagre que pode provocar uma ressurreição.

13. Jesus não busca assustar-nos com uma visão do inferno futuro ou consolar-nos com um paraíso futuro. Ele que mostrar-nos que um caminho para o céu se faz sentir onde ressoa a Palavra de Deus e que esse caminho nos leva ao encontro do outro.

 Pe. João Bosco Vieira Leite