23º Domingo do Tempo Comum – Ano C

(Sb 9,13-18; Sl 89[90]; Fl 9-10.12-17; Lc 14,25-33).

1. ‘Grandes multidões seguem Jesus’, nos diz Lucas. E Jesus precisa esclarecer algumas coisas. Suas admoestações nos trazem três lições fundamentais para qualquer aventura espiritual: constância, realismo e audácia. De modo negativo podemos dizer que há três perigos nessa estrada: veleidade, presunção e timidez.

2. Constância. É preciso convencer-se que uma aventura espiritual é digna deste nome quando é sustentada por uma vontade de leva-la até o fim. Estamos dentro de um terreno em que não nos é consentido fazer as coisas pela metade. Uma obra interrompida não constitui a metade da obra, mas sim um fracasso, nos diz o evangelho.

3. As coisas feitas pela metade não ficaram pela metade. Elas não são nada. Veleidade é próprio de quem não sabe exatamente o que quer, onde quer chegar e porquê. Sempre em busca de novas emoções, mais que compromisso sério. Entusiasmo passageiro, meio exibicionista. Instável. A vida cristã deve revelar uma vontade de chegar até o fim.   

4. Realismo. Sentar-se e considerar atentamente as coisas, avaliar os riscos, calcular os meios necessários. Em uma palavra: estudar a situação. Quando eu falo em aventura espiritual, aventura aqui não significa inconsciência ou mesmo presunção. Realismo aqui não está em contradição com o espírito de fé.

5. Tendo fotografado a situação, e sondado a própria realidade interior, com o coração, fôlego e as pernas que possuo, posso legitimamente esperar chegar até o fim? Com a atual força espiritual, com esta ração de oração, com essa dose de meditação, sou autorizado a crer de saber lidar com as dificuldades?

6. ‘Sentar’ significa conhecer os objetivos que se espera atingir. Significa conhecer-se. Ou seja, examinar realisticamente o próprio equipamento interior.

7. Audácia. Se esse inventário que fizemos da nossa realidade mais profunda nos leva a uma certa desconfiança de nós mesmos, e assim a evitar o risco de uma presunção que pode conduzir a desastrosas consequências, devemos também evitar o risco oposto: uma timidez excessiva que nos feche numa prisão de renúncia, sem que jamais ousemos transpor os seus muros, e tentar, experimentar, buscar...

8. Muitas vezes perdemos certas batalhas porque em nós não aflora sequer o desejo de combatê-la. De cara já nos consideramos derrotados. Há sempre uma tentação sutil, diabólica, de redução dos ideais às nossas forças, às nossas fragilidades.

9. Na realidade deveríamos proporcionar às nossas forças à altura e amplitude dos nossos ideais. Se devo chegar a determinado objetivo, não posso me dar por satisfeito. Então devo rezar mais, refletir mais, buscar mais coragem, fazer mais sacrifícios, ser mais decidido (...). Devemos fazer que os fins produzam os meios e não o contrário.

10. A paradoxo cristão pode ser expresso assim: a distância da meta, a dureza da estrada e o fascínio daquilo que desejo atingir devem produzir a velocidade e a força da máquina. E quando se trata de Deus, só a atração da meta já é suficiente para criar a estrada.

11. A audácia do que falo não está em contradição com o realismo. De fato, mesmo depois de um inventário nada grandioso, podemos salvar-nos batendo na porta Daquele que deseja tão somente investir seu capital infinito em ações que merecem o seu aval.

12. Deus, antes de financiar as nossas empreitadas examina atentamente os nossos projetos. Se é algo pequeno, infantil, talvez não lhe interesse. Mas se lhe apresentamos algo difícil, desafiador, Ele ficará agradavelmente surpreso. E se fará nosso ‘cúmplice’, nosso sócio nessa empreitada. 

Pe. João Bosco Vieira Leite