Ascenção do Senhor – Ano C

(At 1,1-11; Sl 46[47]; Ef 1,17-23; Lc 24,46-53).

1. Um sacerdote tinha como sacristã uma religiosa. Esta, por muitas vezes, dava sugestões ao padre sobre o que ele deveria falar na homilia. Na festa da Ascensão enquanto o sacerdote vestia sua túnica ela disse: ‘Hoje é a festa do céu! Certamente nos vai falar sobre o Paraíso...’.

2. O sacerdote lhe disse: ‘Não obstante as aparências, é a festa da terra, não do céu’. Na 1ª leitura, os apóstolos foram logo repreendidos porque estavam ali, parados, olhando para o céu. Era preciso olhar para o chão, para essa terra e a missão que lhes foi confiada. Agora era a vez dos apóstolos, e como não dizer, nossa também.

3. A Igreja, corpo de Cristo, conforme nos lembra Paulo na 2ª leitura, assegura a presença visível de Jesus. Uma Igreja itinerante que nasce do nosso empenho para com a terra, para com os outros. Depois da ascensão, o humano é o espaço onde continua o mistério da encarnação, através de sua presença e seu testemunho.

4. Desde a vinda de Jesus, Deus nos toca através de um rosto humano, continua a manifestar-se, a falar, a tornar-se tangível. Portanto é a festa da comunidade cristã, iniciada por Cristo e confirmada em Pentecostes, para realizar a Sua presença, manifestá-la, torna-la eficaz.

5. Nossas comunidades cristãs devem ser espaços de encontro, de partilha de fé e comunhão. Enquanto Lucas nos narra em seu livro os Atos dos Apóstolos, nós somos convidados a escrever também a nossa história, os nossos atos, para que Cristo não esteja ausente dessa terra.

6. Certamente não faltarão prodígios, sinais das tantas coisas que Deus vai realizando no mundo através de nossas comunidades de fé. São os nossos Atos. Somente assim a Ascensão se torna uma festa da terra, ou melhor, do Reino inaugurado na terra.

7. Cada cristão deve assegurar a própria presença no mundo sob o sinal qualificante da fé, pois cada vez mais vai se normalizando a fato de alguém que não crê. E a fé cristã se torna uma estranheza. Foi-se o tempo da ‘cristandade’ com suas intolerâncias e absolutismos. 

8. No passado era o não crente considerado um indivíduo anormal e devia dar provas do porquê da sua ‘não-crença’. Hoje, somos nós, cristãos de devemos nos justificar, dar explicações. A fé cristã vai se tornando quase que anormal. Se no passado a questão era: ‘Deus existe?’, hoje seria legítimo perguntar: existe o cristão?

9. Será que somos capazes de provar a nossa existência? Somente assim poderíamos fazer com que os homens e mulheres de nosso tempo, obstinados em olhar tão somente na direção da terra, voltem também a olhar para o alto. Somente assim poderíamos sonhar com a possibilidade de criar um pequeno espaço do céu aqui, sobre a terra.   

Pe. João Bosco Vieira Leite