(Nm 6,22-27; Sl 66[67]; Gl 4,4-7; Lc 2,16-21)
1. Na missa do dia de Natal, ao ouvirmos o prólogo de João, na beleza do seu texto, ficou-nos uma nota triste: “Veio para o que era seu, e os seus não a acolheram” (Jo 1,11). Por que a palavra, o Verbo, não foi acolhido?
2. Se viesse hoje, com esse seu estilo
de pobreza, de pouca história, certamente o mandaríamos de volta ao seu país de
origem. Mas se viesse com demonstrações de poder e dominação, certamente o
deixaríamos reinar sobre nós.
3. Mas nos veio assim, uma criança, sem
complicações, em um cocho (sinalizando já o pão oferecido...), como alguém que
não conta, que não impõe força, como um mendicante, sem intenções de mandar. E
por isso foi ignorado; marginalizaram a criança.
4. Maria, por sua vez, guardava todos
esses fatos em seu coração, meditando sobre os mesmos. No seu coração de mãe há
dois mistérios. O mistério de um Filho que, para chegar aos homens, escolhe uma
estrada imprevisível. E o mistério dos homens que rejeitam a luz, não acolhem o
hóspede.
5. Não se sabe qual dos dois mistérios
é o mais difícil de compreender, aceitar, levar consigo. A surpresa da Virgem
se abre sobre duas vertentes: a de Deus e a do ser humano. Já é por si só
motivo para longas meditações. De uma parte a persistência do dar-se, e do
outro a obstinação da rejeição. A Virgem do acolhimento tenta entender essas
portas fechadas.
6. Um autor resolveu escrever uma carta
à Virgem para esclarecer-lhe um pouco os aspectos principais deste fato sempre
atual, registrado no evangelho: “Veio para o que era seu, e os seus não o
acolheram”. Vai aqui algumas linhas da longa carta escrita por ele:
7. “Maria, por favor, explica tu essa
desagradável situação ao teu Filho. Nós ficamos contentes, e até orgulhosos,
que tu tenhas aceitado deixar-lhe tomar posse da tua existência. Que tu tenhas
subordinado os teus projetos ao projeto inaudito do próprio Deus. Para nós, sua
total entrega é aceitável. Mas, por caridade, não pretenda de nós a mesma
coisa. Não exija de nós a tua resignação, esse seu colocar-se à disposição, o
teu mover-se para Ele. Tu és uma exceção.
8. Diz, por favor, ao teu Filho que há alguns
equívocos a serem esclarecidos. Nós não odiamos a luz. Mas a luz do teu Filho é
incômoda, indiscreta, fastidiosa. Ela coloca a nu nossas misérias e covardias.
Não temos nada contra a alegria anunciada pelos anjos aos pastores. Mas, não se
ofenda, já temos as nossas alegrias testadas. Sabemos de que coisa se trata. A
alegria d’Ele, não sabemos de que tipo é. Ele deveria precisar melhor. Parece
dizer respeito a eliminação do pecado e da salvação. E ao pecado estão
associadas tantas coisas... que às vezes não nos incomodam. Francamente,
tememos que teu Filho seja um intruso, um desmancha-prazeres. Um inimigo da
alegria, com aquela cruz às costas.
9. Temos a impressão que para
propor-nos uma alegrai celeste, nos venha roubada a da terra, envenenando os nossos
‘nutrientes terrestres’, onde nós afundamos com dentes e unhas. É melhor
deixar-nos em paz, sem muitas complicações, com nossas minúsculas alegrias
humanas.
10. Maria, busca convencer teu Filho de
que não temos nada contra ele. Se fechamos a porta em sua cara, não é para
deixa-lo fora. É somente para não termos a Ele demasiadamente dentro. Temos
medo que Ele queira organizar a nossa casa. Nós aceitamos o Deus conosco, o
Emanuel. E que seja por um tempo limitado, com horário fixo. Quem sabe aos
domingos, na igreja. Como no Natal, por exemplo. É agradável a Sua presença.
Enfeitamos tudo, fazemos festa, até montamos presépio. Queremos a Sua presença,
mas não em demasia. Nós iremos até lhe prestar homenagem, como os pastores, os
magos, mas com uma condição, deixe-nos voltar em paz. À nossa casa, como antes,
retomando nossos costumes.
11. Nós confiamos em ti Maria, em tua
capacidade de persuasão. Busca convencê-lo que cremos que Ele foi capaz de
deixar tudo, para buscar o ser humano. Nós estamos dispostos a receber tudo o
que Ele nos quiser dar, mas que não percamos nada do que já possuímos. Somos
criaturas sensatas... por isso nossos dias são iguais. E também o ano novo
corre o risco de ser, já de partida, um ano velho. Tudo repetido. As mesmas
coisas. Os mesmos hábitos. Nós confiamos nas coisas já vistas, experimentadas.
Temos medo da novidade. E ao começo de um novo ano desejamos um ‘feliz ano
novo’. Entendemos que será um ano empanturrado das coisas do ano passado. Não
queremos nos arriscar. Principalmente o risco, como tu viveste, como propõe teu
Filho, de inventar uma vida nova, diferente...”.
Pe. João Bosco Vieira Leite