(Dn 7,13-14; Sl 92[93; Ap 1,5-8; Jo 18,33-37).
1. Ouvindo esse evangelho, tentamos
imaginar a cara de Pilatos, esse indivíduo ambíguo, medíocre, indeciso,
oportunista. Tinha diante de si este homem fraco, que não respondia às sutis
acusações dos chefes políticos-religiosos, enquanto uma multidão continuava
agitada do lado de fora.
2. Estamos diante de um homem livre,
embora amarrado, que se deixa transportar, como um pacote, de um tribunal ao
outro, e de um funcionário-juiz, preso em seus interesses, preocupações pela
carreira, no desejo de tornar-se, ao menos por uma vez, um pouco popular.
Difícil estabelecer quem é juiz e quem é o acusado.
3. O interrogatório resulta bastante
embaraçante, particularmente para Pilatos. Pois ninguém podia ser rei dos
judeus, apenas tetrarca, que é o título dado por Roma, que apenas tolerava essa
insistência em chamar de ‘rei’ o representante romano, essa figura quase
decorativa.
4. A pergunta de Pilatos traz certa
ironia. Jesus mantém-se sereno e, como de costume, responde à pergunta
colocando uma outra. Pilatos levemente se descontrola. Não tem nada a ver com
os problemas dos judeus, apenas o interroga como um possível desordeiro capaz
de provocar uma insurreição.
5. Quando Pilatos lhe devolve a
pergunta, nem Jesus responde nem ninguém da multidão. De fato, não havia feito
nenhum mal. Mas para nós tem uma pessoa pior do que aquela que faz o mal. É uma
pessoa que pretenda nos ensinar um ‘bem’ diferente daquele que entendemos. Que
revele a inconsistência e a insuficiência do nosso ‘bem’.
6. Algo se revela estranho naquela multidão
que se faz indulgente a Barrabás. A este ‘rei’ não podemos perdoar o ‘bem’.
Havia a Lei, bastava observa-la de maneira escrupulosa. Mas aí vem Ele e diz:
‘Mas eu vos digo...’. Desestabiliza seus ouvintes, convidados a ir além, num
horizonte onde o amor é sem medida...
7. A verdade de Jesus desestabiliza
nossa escala de valores e nossas cômodas classificações de justos e pecadores,
amigos e inimigos. Nós e os outros... Um ‘rei’ agita o habitual e ainda por
cima nos diz que o próprio Deus veio habitar entre nós. E nós estávamos bem com
Ele lá no céu. Esse Deus sobre a terra é terrivelmente incômodo.
8. É por esse conjunto de revelações
que Jesus está sendo condenado. Pilatos não vai insistir. É Jesus quem deixa
claro de que reino ele está falando. Ele não é deste mundo. E difícil aceitar
um reino que se baseia no amor e não na força, na fragilidade e não no poder.
Um reino que às vezes nem coincide com a nossa Igreja.
9. Um reino diferente, não baseado na
grandeza e cujo sucesso não é aparente. Onde não há questões de honras,
privilégios, carreiras. Um reino onde só se entra fazendo-se criança. Algo
humilhante.
10. É nessa desconstrução que Jesus nos
apresenta seu Reino. Ele vem na contramão das nossas ambições, do nosso desejo
de sentir-nos importantes. E esse rei parece não se importar que seus súditos
possam diminuir. Para Ele é uma questão da verdade. ‘Todo aquele que é da
verdade escuta a minha voz’.
11. É com esta imagem que encerramos
esse ano de Marcos, tentando responder à pergunta sobre quem é Jesus. A
solenidade de hoje deixa em aberto a resposta de que modo O reconhecemos como
Rei de nossa vida. Quais critérios por Ele ensinados realmente fazem parte do
nosso testemunho de
vida?
Pe. João Bosco Vieira Leite