Cristo, Rei do Universo - 2021

(Dn 7,13-14; Sl 92[93; Ap 1,5-8; Jo 18,33-37).

1. Ouvindo esse evangelho, tentamos imaginar a cara de Pilatos, esse indivíduo ambíguo, medíocre, indeciso, oportunista. Tinha diante de si este homem fraco, que não respondia às sutis acusações dos chefes políticos-religiosos, enquanto uma multidão continuava agitada do lado de fora.

2. Estamos diante de um homem livre, embora amarrado, que se deixa transportar, como um pacote, de um tribunal ao outro, e de um funcionário-juiz, preso em seus interesses, preocupações pela carreira, no desejo de tornar-se, ao menos por uma vez, um pouco popular.  Difícil estabelecer quem é juiz e quem é o acusado.

3. O interrogatório resulta bastante embaraçante, particularmente para Pilatos. Pois ninguém podia ser rei dos judeus, apenas tetrarca, que é o título dado por Roma, que apenas tolerava essa insistência em chamar de ‘rei’ o representante romano, essa figura quase decorativa.

4. A pergunta de Pilatos traz certa ironia. Jesus mantém-se sereno e, como de costume, responde à pergunta colocando uma outra. Pilatos levemente se descontrola. Não tem nada a ver com os problemas dos judeus, apenas o interroga como um possível desordeiro capaz de provocar uma insurreição. 

5. Quando Pilatos lhe devolve a pergunta, nem Jesus responde nem ninguém da multidão. De fato, não havia feito nenhum mal. Mas para nós tem uma pessoa pior do que aquela que faz o mal. É uma pessoa que pretenda nos ensinar um ‘bem’ diferente daquele que entendemos. Que revele a inconsistência e a insuficiência do nosso ‘bem’.

6. Algo se revela estranho naquela multidão que se faz indulgente a Barrabás. A este ‘rei’ não podemos perdoar o ‘bem’. Havia a Lei, bastava observa-la de maneira escrupulosa. Mas aí vem Ele e diz: ‘Mas eu vos digo...’. Desestabiliza seus ouvintes, convidados a ir além, num horizonte onde o amor é sem medida...

7. A verdade de Jesus desestabiliza nossa escala de valores e nossas cômodas classificações de justos e pecadores, amigos e inimigos. Nós e os outros... Um ‘rei’ agita o habitual e ainda por cima nos diz que o próprio Deus veio habitar entre nós. E nós estávamos bem com Ele lá no céu. Esse Deus sobre a terra é terrivelmente incômodo.

8. É por esse conjunto de revelações que Jesus está sendo condenado. Pilatos não vai insistir. É Jesus quem deixa claro de que reino ele está falando. Ele não é deste mundo. E difícil aceitar um reino que se baseia no amor e não na força, na fragilidade e não no poder. Um reino que às vezes nem coincide com a nossa Igreja. 

9. Um reino diferente, não baseado na grandeza e cujo sucesso não é aparente. Onde não há questões de honras, privilégios, carreiras. Um reino onde só se entra fazendo-se criança. Algo humilhante.

10. É nessa desconstrução que Jesus nos apresenta seu Reino. Ele vem na contramão das nossas ambições, do nosso desejo de sentir-nos importantes. E esse rei parece não se importar que seus súditos possam diminuir. Para Ele é uma questão da verdade. ‘Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz’.

11. É com esta imagem que encerramos esse ano de Marcos, tentando responder à pergunta sobre quem é Jesus. A solenidade de hoje deixa em aberto a resposta de que modo O reconhecemos como Rei de nossa vida. Quais critérios por Ele ensinados realmente fazem parte do nosso testemunho de vida?            

 Pe. João Bosco Vieira Leite