(Gn 14,18-20; Sl 109[110]; 1Cor 11,23-26; Lc 9,11-17)
Corpo e Sangue de
Cristo.
“... e, depois de dar
graças, partiu-o e disse: ‘Isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em
minha memória’”. 1Cor 24.
“Ah, como nós, seres
triviais, fazemos deste mistério da vida eterna uma coisa tão da trivialidade
do nosso dia a dia! Olhai como o sacerdote, enfadado, impelido pela sua
obrigação profissional, cumpre o seu dever sublime como se estivesse a
desempenhar um cargo deste mundo, e não como alguém que está celebrando a
liturgia onde atuam a luz e a bem-aventurança do céu. Olhai os corações escassos
e áridos onde desce o Senhor e que no melhor dos casos – nada mais lhe sabem
dizer que não seja confiar-lhe meia dúzia de desejos cobiçosos e egoístas que
constituem o seu dia a dia. Ah nós, os cristãos! Neste sacramento recebemos ao
mesmo tempo a pura bem-aventurança do céu e a fina e transfigurada
essência do fruto amargo e doce da terra; embora recebamos estas duas coisas
como que metidas no duro invólucro do vulgar, nada se perde da sua realidade e
verdade. Todavia comungamos como se nada acontecesse e, cansados e indolentes,
trazemos de novo o nosso velho coração da mesa de Deus para a nossa morada,
para os estreitos compartimentos de nossa vida, onde nos sentimos mais à
vontade do que nos paços divinos! Oferecemos a Deus o sacrifício do Filho, e
queremos recusar-lhe o nosso coração; representamos a divina comédia da
liturgia, e não sabemos corresponder à gravidade que lhe compete. Talvez não
nos falte boa vontade, mas ah! A boa vontade tem tão pouco poder sobre a
indolência apática do nosso coração. Mas talvez isto pertença ao sinal
sacramental, visto Deus correr, ainda dentro deste tempo, ao encontro de sua
criatura, festejando já antecipadamente o banquete da vida eterna. Sendo este
banquete preparado dentro de estreitos limites do tempo, não admira que dele se
aproximem os pobres humanos, cujo espírito curto e coração mesquinho ainda não
são capazes de compreender a grandeza da dádiva que lhes cabe. É pois de
compreender que fiquemos um tanto perturbados e nos sintamos por assim dizer
sobrecarregados, quase chocados, perante um tal excesso de Deus. Só por obra da
graça bendita é que dele nos aproximamos e nos sentamos à mesa – nós, pobres
seres tristonhos e prostrados, penosos e sobrecarregados. Mas Ele acolhe-nos,
mesmo que não encontre nos nossos olhos o brilho da alegria de O possuirmos.
Ele desceu a todos os abismos da terra, e não O magoa ter que entrar na
estreiteza abafada do nosso coração, desde que nele arda uma pequena centelha
de amor e boa vontade. O sacramento dos sacramentos quer ser o sacramento do
nosso dia a dia, pacientemente, tal como Deus é paciente com a nossa fraqueza” (K. Rahner
– Graça divina em abismos humanos – Ed. Herder).
Pe. João Bosco Vieira Leite