(Is 52,13—53, 12; Sl 30[31]; Hb 4,14-16; 5,7-9; Jo 18,1—19,42)
Paixão do
Senhor.
1. Para nossa meditação, me servi de um
texto que um amigo me forneceu, retirado de um jornal italiano e devidamente
traduzido para o português que tem como título: “O silêncio de Jesus no centro
da história”. Ele cai como uma luva nesses dias do tríduo que celebramos o
tríduo pascal e o silêncio é a tônica e atitude desse momento convidando-nos a
contemplar o mistério pascal.
2. O silêncio é uma atitude muito
presente no ministério de Jesus, particularmente na hora de sua paixão. É um
silêncio mais denso que as palavras. Na paixão Jesus fala poucas vezes, nunca
para se defender, mas apenas para explicar sua identidade. O silêncio torna-se
uma palavra importante para explicar quem ele é.
3. Mesmo antes da paixão, tal atitude
marca seu ministério público. Há o silêncio de Jesus diante de questões
espúrias ou inúteis. Há o silêncio que Jesus impõe a quem gostaria de falar com
ele antes de ter um vislumbre da novidade que é a cruz.
4. É inútil responder se não houver
sinceridade na busca. Jesus não se apresenta disposto a ter um diálogo fingido.
Para o discípulo, o espaço do silêncio é necessário para compreender a novidade
de Jesus, caso contrário, fala-se d’Ele sem comunicar a novidade que
surpreende, diante da qual a indiferença não tem lugar, mas apenas o sim e o
não.
5. Seu silêncio às vezes foi
desconcertante, o que na realidade era um espelho do próprio silêncio do Pai,
seja no horto das oliveiras, seja na cruz. A experiência do silêncio de Deus
não fala da fraqueza da fé, mas sim da profundidade e da humanidade da fé; e
leva para o centro do homem e da história, lá onde Deus e o homem parecem se
contradizer.
6. Onde Deus parece ausente ou
distraído, onde a morte parece ter a última palavra sobre a vida e a mentira,
sobre a verdade. Compreendido no mistério de Cristo, o silêncio de Deus aparece
na sua realidade, como uma forma diferente de Deus falar.
7. De fato, no horto das oliveiras,
Deus não fala com o milagre que liberta da morte, mas com a coragem de
enfrentar a morte, atravessando-a. Durante o processo de acusação muitas vezes
Jesus se cala. A verdade se cala diante da violência, não porque não tenha nada
a dizer, mas porque já disse tudo e é inútil dizer de novo.
8. Esse silêncio de Jesus segue
diversas alusões do Antigo Testamento. A principal delas está na 1ª leitura de hoje. A figura
do justo sofredor. Jesus revive e engrandece essa imagem. É uma figura sem
tempo, presente em todos os momentos da história e em todos os lugares. Seu
silêncio não é indiferença, mas dignidade. Seu silêncio fala mais que muitas
palavras.
9. Na narrativa de Marcos há uma cena em
que cobrem o rosto de Jesus; ele é golpeado e desafiado a adivinhar quem o
bateu. Como numa brincadeira de cabra-cega, é o desafio ao Messias que ele diz
ser. Ele permanece em silêncio e isso faz toda a diferença. Uma diferença
teológica, a diferença que existe entre o modo que o homem imagina Deus e o
modo como Deus realmente é.
10. No relato que acompanhamos Jesus
responde às perguntas sobre a sua realeza, mas permanece em silêncio quando a
sua realeza é ridicularizada e mostrada em público. O silêncio principal João
reserva para a pergunta mais importante: “De onde és tu?”. Jesus deixa Pilatos
sozinho diante da pergunta que o perturba.
11. Diante do mistério que o interpela
e o inquieta, cada homem deve encontrar pessoalmente a resposta. É uma decisão
pessoal que não pode ser delegada a ninguém, uma resposta que nem Deus pode dar
no seu lugar.
12. Nos relatos de Marcos e Mateus, em torno do
crucificado há muitos que falam: os transeuntes, os sacerdotes, os guardas, os
dois ladrões. Todos falam de Jesus ou contra Jesus, mas ele se cala. Ao final
Jesus dirige uma pergunta ao seu Deus: “Meu Deus, porque me abandonaste?”. Sua
pergunta cai no silêncio. Morre num grito sem palavras.
13. O Pai falará depois, na
Ressurreição. A cruz é o momento que cabe ao Filho manifestar até que ponto um
filho de Deus compartilha a experiência que o homem encontra diante do seu
Deus. Cabe ao crucificado revelar até que ponto chega o amor de Deus. Toda essa
surpreendente revelação está contida no silêncio de Jesus na cruz.
14. O nosso silêncio comunitário ganha
forma de celebração. Como diz um grupo musical de nosso tempo, parafraseando
outra pessoa: “As palavras me perdoem, mas silêncio é fundamental”. Não só para
o mistério de Deus, mas da própria vida.
Pe. João Bosco Vieira Leite