Sexta, 25 de março de 2016

(Is 52,13—53, 12; Sl 30[31]; Hb 4,14-16; 5,7-9; Jo 18,1—19,42) 
Paixão do Senhor.

1. Para nossa meditação, me servi de um texto que um amigo me forneceu, retirado de um jornal italiano e devidamente traduzido para o português que tem como título: “O silêncio de Jesus no centro da história”. Ele cai como uma luva nesses dias do tríduo que celebramos o tríduo pascal e o silêncio é a tônica e atitude desse momento convidando-nos a contemplar o mistério pascal.

2. O silêncio é uma atitude muito presente no ministério de Jesus, particularmente na hora de sua paixão. É um silêncio mais denso que as palavras. Na paixão Jesus fala poucas vezes, nunca para se defender, mas apenas para explicar sua identidade. O silêncio torna-se uma palavra importante para explicar quem ele é.

3. Mesmo antes da paixão, tal atitude marca seu ministério público. Há o silêncio de Jesus diante de questões espúrias ou inúteis. Há o silêncio que Jesus impõe a quem gostaria de falar com ele antes de ter um vislumbre da novidade que é a cruz.

4. É inútil responder se não houver sinceridade na busca. Jesus não se apresenta disposto a ter um diálogo fingido. Para o discípulo, o espaço do silêncio é necessário para compreender a novidade de Jesus, caso contrário, fala-se d’Ele sem comunicar a novidade que surpreende, diante da qual a indiferença não tem lugar, mas apenas o sim e o não.

5. Seu silêncio às vezes foi desconcertante, o que na realidade era um espelho do próprio silêncio do Pai, seja no horto das oliveiras, seja na cruz. A experiência do silêncio de Deus não fala da fraqueza da fé, mas sim da profundidade e da humanidade da fé; e leva para o centro do homem e da história, lá onde Deus e o homem parecem se contradizer.

6. Onde Deus parece ausente ou distraído, onde a morte parece ter a última palavra sobre a vida e a mentira, sobre a verdade. Compreendido no mistério de Cristo, o silêncio de Deus aparece na sua realidade, como uma forma diferente de Deus falar.

7. De fato, no horto das oliveiras, Deus não fala com o milagre que liberta da morte, mas com a coragem de enfrentar a morte, atravessando-a. Durante o processo de acusação muitas vezes Jesus se cala. A verdade se cala diante da violência, não porque não tenha nada a dizer, mas porque já disse tudo e é inútil dizer de novo.

8. Esse silêncio de Jesus segue diversas alusões do Antigo Testamento. A principal delas está na 1ª leitura de hoje. A figura do justo sofredor. Jesus revive e engrandece essa imagem. É uma figura sem tempo, presente em todos os momentos da história e em todos os lugares. Seu silêncio não é indiferença, mas dignidade. Seu silêncio fala mais que muitas palavras.

9. Na narrativa de Marcos há uma cena em que cobrem o rosto de Jesus; ele é golpeado e desafiado a adivinhar quem o bateu. Como numa brincadeira de cabra-cega, é o desafio ao Messias que ele diz ser. Ele permanece em silêncio e isso faz toda a diferença. Uma diferença teológica, a diferença que existe entre o modo que o homem imagina Deus e o modo como Deus realmente é.

10. No relato que acompanhamos Jesus responde às perguntas sobre a sua realeza, mas permanece em silêncio quando a sua realeza é ridicularizada e mostrada em público. O silêncio principal João reserva para a pergunta mais importante: “De onde és tu?”. Jesus deixa Pilatos sozinho diante da pergunta que o perturba.

11. Diante do mistério que o interpela e o inquieta, cada homem deve encontrar pessoalmente a resposta. É uma decisão pessoal que não pode ser delegada a ninguém, uma resposta que nem Deus pode dar no seu lugar.

12. Nos relatos de Marcos e Mateus, em torno do crucificado há muitos que falam: os transeuntes, os sacerdotes, os guardas, os dois ladrões. Todos falam de Jesus ou contra Jesus, mas ele se cala. Ao final Jesus dirige uma pergunta ao seu Deus: “Meu Deus, porque me abandonaste?”. Sua pergunta cai no silêncio. Morre num grito sem palavras.

13. O Pai falará depois, na Ressurreição. A cruz é o momento que cabe ao Filho manifestar até que ponto um filho de Deus compartilha a experiência que o homem encontra diante do seu Deus. Cabe ao crucificado revelar até que ponto chega o amor de Deus. Toda essa surpreendente revelação está contida no silêncio de Jesus na cruz.

14. O nosso silêncio comunitário ganha forma de celebração. Como diz um grupo musical de nosso tempo, parafraseando outra pessoa: “As palavras me perdoem, mas silêncio é fundamental”. Não só para o mistério de Deus, mas da própria vida.


Pe. João Bosco Vieira Leite