30º Domingo do Tempo Comum – Ano C

(Eclo 35,15-17.20-22; Sl 33[34]; 2Tm 4,6-8.16-18; Lc 18,9-14)* 

1. A parábola que escutamos inicia nos apresentando, como num drama, os personagens: “Dois homens subiram ao templo para rezar: um era fariseu, o outro cobrador de impostos”. E uma última frase, lapidar, descreve o êxito da questão: “... este último voltou para casa justificado, o outro não”.

2. No momento que entram no templo, os dois personagens, mesmo pertencendo a categorias religiosas e sociais diferentes, eram, no fundo, muito parecidos. Mas quando saem, são duas pessoas radicalmente diferentes. 

3. Um é justificado, isto é, feito justo, perdoado, em paz com Deus, feita nova criatura; o outro permanece aquele do início; na verdade piorou sua situação diante de Deus. Um obteve a salvação e o outro não. O que justifica tal conclusão nessa breve narrativa?

4. Jesus usa a estratégia de um operador cinematográfico, quando depois de mostrar o cenário geral, enquadra separadamente, um personagem depois do outro, mas particularmente sobre o fariseu. 

5. Ele começa a rezar agradecendo a Deus, algo sumamente recomendável. Mas seu agradecimento não é a Deus em si, mas pelo fato de não ser como os outros, particularmente como aquele cobrador de impostos. Mas isso não é graças a Deus, mas a ele mesmo, por suas obras: jejua e paga o seu dízimo. 

6. Olhando de maneira rápida, pensamos: talvez lhe falte humildade. Mas é muito mais que isso. A chave de leitura está na introdução feita por Jesus: a parábola é contada para alguns que confiavam na sua própria justiça, ou seja, que se consideravam justos. 

7. Estabelece para si o que é justo e o que não é. As coisas importantes são as que ele faz e que os outros não fazem. Se faz um autorretrato e, deste modo, alguém que sai sempre vencedor no confronto com os outros. Ele não se dá conta que deixou de fora um ponto importantíssimo da Lei: o amor ao próximo.

8. Mas há um motivo ainda mais sério: ele inverte as posições e faz de Deus um devedor seu. Ele que fez algumas obras boas se apresenta para receber o que lhe é devido. Diante de tudo aquilo Deus ouve, mas não faz nada. A câmara se desloca para o cobrador de impostos.

9. Ele está diante de Deus, sem comparar-se a ninguém, mas somente consigo mesmo e com Deus. Mantém-se a distância, sem levantar o olhar e batendo no peito. De seus lábios brota apenas uma breve oração: “Meu Deus, tem piedade de mim, que sou pecador!”.

10. Assim Jesus nos apresenta dois modos diversos de conceber a salvação: como algo que o ser humano pretende realizar por si mesmo, ou como dom da graça e da misericórdia de Deus. E isso persiste também em nosso tempo. 

11. Muitas das assim chamadas “novas formas de religiosidade”, concebem a salvação como conquista pessoal, devido a técnicas meditativas e alimentares, ou a particulares conhecimentos filosóficos. A fé cristã a concebe como dom gratuito de Deus em Cristo, que exige, certamente o esforço pessoal e a observância dos mandamentos, mas mais como resposta à graça do que como causa.  

12. De um modo prático, a parábola nos lembra que o fariseu e o publicano vivem entre nós cristãos. Há quem estabeleça por sua conta a medida do bem e do mal, de modo que esta corresponda exatamente ao que ele faz, somos a medida ideal.

13. Ninguém, ou muito pouco, é totalmente fariseu ou totalmente publicano. Muitas vezes nos comportamos como um ou outro. A coisa pior seria comportar-se como publicano na vida e como fariseu no templo. Como assim?

14. Há muitos que na vida prática aprontam, mas quando se apresentam diante de Deus, não encontram absolutamente nada do que se acusar ou ser perdoado. Mas se nos resignarmos a ser um pouco um e outro: que sejamos fariseus na vida, observantes escrupulosos, mas publicanos no templo, que reconhecem que tudo que se é, é dom Seu e imploramos, para nós e para os outros, a Sua misericórdia. 

15. Façamos nossa essa breve oração do publicano: “Meu Deus, tem piedade de mim, que sou pecador!”. Ela é uma oração completa, capaz de desarmar o próprio Deus, deixando-O disposto a escutar-nos. Amém. 

* Com base em texto de Raniero Cantalamessa.


Pe. João Bosco Vieira Leite