(Mc 11,1-10; Is 50,4-7; Sl 21[22]; Fl 2,6-11; Mc 15,1-39)*
1. Penso
que conhecemos a lenda do “Quo Vadis?”. Em Roma está acontecendo
a perseguição de Nero. Pressionado pelos irmãos, Pedro é convencido que deve
afastar-se da cidade. Enquanto foge para o sul, pela via Appia, encontra Jesus
que vem na direção oposta. Lhe pergunta: “Quo Vadis Domine?” (“Aonde vais,
Senhor?”). E Jesus responde: “Vou a Roma para morrer de novo”. Pedro entende e
retorna sobre os próprios passos para sofrer o martírio por Cristo, morrendo
crucificado de cabeça para baixo.
2. Essa
mesma história ainda se repete hoje. Jesus vai sofrer e morrer de novo em cada
cidade e lugar onde está acontecendo perseguições, onde há perigo e morte. Não
faltam discípulos e discípulas corajosos que não fogem destes lugares,
permanecem ali ou ali retornam, para sofrer com o Cristo ou mesmo serem
martirizados.
3. Mas essa
história tem também um sentido para nós que entramos na “Grande Semana”. Nesse
domingo deveríamos escutar toda a narração da paixão segundo Marcos que
compreende os capítulos 14 e 15. Mas a liturgia nos trouxe o texto mais breve
que se concentra no processo, paixão e morte.
4. Se
voltar-nos sobre o texto completo, vamos encontrar a narrativa da traição de
Pedro, que o próprio Jesus já havia anunciado. Toda essa humilhante narrativa
descrita por Marcos, que foi uma espécie de secretário de Pedro e escreve o seu
evangelho a partir das recordações e informações dele, nos serve como
advertência e ensinamento.
5. Para que
possamos compreender a lição que Pedro nos oferece, é preciso ler tal narrativa
em paralelo com a traição de Judas. Também este foi advertido do que
aconteceria e que se consumaria no Jardim das Oliveiras. Para Pedro, Jesus
passa e o olha; com Judas a situação foi mais longe: um beijo. Mas o final foi
bem diferente: Pedro chora; Judas busca tirar a própria vida.
6. São
narrativas que não se fecham em si mesmas; elas continuam acontecendo e muitas
vezes bastante próximas a nós. Quantas vezes a história de Pedro não
acontecesse conosco, que deveríamos testemunhar nossa fé, mas afirmamos como
Pedro: “Não conheço esse Jesus de quem estão falando...”.
7. Mesmo a
história de Judas não nos é estranha. Poderia ser a de qualquer um de nós que,
em seu lugar, vende Jesus por trinta moedas; quantas vezes não fazemos o mesmo
por bem menos? Traição, sim, mas menos tragicidade que a sua, pois melhor que
ele, sabemos quem é Jesus.
8. A
diferença entre uma história e outra, ainda que o remorso tenha pesado sobre os
dois, é que Pedro teve confiança na misericórdia de Cristo e Judas não. A
Bíblia nos apresenta toda uma galeria de histórias paralelas de pecado que se
concluem de modo diametralmente oposto. Todas elas querem nos conduzir a
escolha certa.
9. Caim
mata Abel, Davi mata Urias. Enquanto Caim é execrado, Davi é honrado. O motivo
é sempre o mesmo. Caim se desespera (cf. Gn 4,13), Davi confia na misericórdia
de Deus (Sl 51,3). No calvário estão dois ladrões. Ambos pecaram. Enquanto um
maldiz, insulta e morre em seu desespero, o outro pede a Jesus que se recorde
dele ao entrar no seu Reino.
10. O modo
mais seguro para penetrarmos no coração da paixão é vê-la como a suprema
manifestação da misericórdia de Deus. Fazer a Páscoa significa fazer a
experiência pessoal da misericórdia de Deus em Cristo. R. Cantalamessa,
meditando, conclui que mesmo aqueles que crucificaram a Jesus foram salvos. O
Pai não deixaria cair no vazio a prece do seu Filho: “Pai, perdoa-lhes...”.
11. Mesmo
que ainda permaneça a liberdade do ser humano de acolher ou não a misericórdia
de Deus. De ninguém, todavia, podemos ter a certeza de que tenha sido
condenado, mesmo Judas.
12. Nessa semana, tomemos novamente a narrativa da Paixão para lê-lo com calma e por inteiro. Nesta semana, Cristo vai misticamente morrer de novo por nós. Digamos também nós como o apóstolo Tiago, ao saber da decisão do Mestre em ir a Jerusalém para a festa da Páscoa: “Vamos também nós para morrermos com Ele”. Morrer ao pecado para ressurgir, na Páscoa, para uma vida nova.
* Reflexão
com base em texto de Raniero Cantalamessa.
Pe. João
Bosco Vieira Leite