(Jr 31,31-34; Sl 50[51]; Hb 5,7-9;
Jo 12,20-33)*
1. O
ensinamento mais profundo que Jesus nos dá no evangelho deste domingo vem da
vida no campo ou rural, como dizemos. O Evangelho está cheio de parábolas, de
imagens que Jesus retira dessa realidade do seu tempo e da profissão da maioria
de seus concidadãos.
2.
Ele fala do semeador, do trabalho no campo, da semeadura, do grão, vinho, óleo,
figo, vinha, colheita, de tudo relacionado a essa realidade. Mas ele não se
restringiu a essa realidade. A imagem do grão de trigo serve para transmitir um
sublime ensinamento que joga luz, antes de tudo, sobre sua história pessoal e a
dos discípulos.
3. O
grão de trigo é, antes de tudo, ele mesmo. Como uma semente na terra em sua
paixão e morte, trouxe o fruto da sua ressurreição. A própria Igreja nasce de
sua morte e ressurreição. E no batismo somos sepultados em sua morte, para
ressurgimos em uma vida nova, marcados pelo Espírito Santo.
4.
Mas a história do grão de trigo nos ajuda também, por outro lado, a entender a
nós mesmos, o sentido da nossa existência. Ele acrescenta: quem se apega à sua
vida perde-a, mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo conservá-la-á
para vida eterna.
5.
Cair por terra e morrer, não é só a via para gerar fruto, mas também para
‘salvar a própria vida’, ou seja, para continuar a viver. O grão de trigo que
se recusa a cair por terra vai virar comida de passarinho ou definha e mofa com
a umidade. Ou mesmo virá reduzido a farinha, consumido e tudo termina ali. Não
tem seguimento.
6.
Mas se vem semeado, reaparecerá, conhecerá a primavera e o sol do verão.
Conhecerá uma vida nova. E assim se torna claro para nós o seu significado no
plano humano e espiritual.
7.
Se o ser humano não atravessa a transformação que vem da fé e do batismo, se
não aceita a cruz, permanece preso ao seu natural modo de ser e ao seu egoísmo,
tudo terminará com ela, sua vida vai ao esgotamento. Juventude, velhice, morte.
Mas se crê e aceita a cruz em união com Cristo, agora se abre diante dele o
horizonte da vida eterna.
8.
Mas sem pensar propriamente em nossa morte, experimentamos situações nesta vida
em que a parábola lança luzes reconfortante. Quantos projetos pessoais em que
dedicamos a nossa vida sentimos cair por terra e morrer ou mesmo em que outros
desfrutarão do fruto de nosso esforço. É preciso recordar o grão de trigo e
saber esperar.
9.
Nossos melhores projetos e afetos (mesmo no matrimônio, na vocação religiosa)
devem passar por essa aparente fase de escuridão e de inverno, para renascer
purificados e rico em frutos. Se resistem à prova, são como o aço que depois de
colocado na água gelada sai dela ‘temperado’.
10.
Essa imagem usada por Jesus pode iluminar também a nossa vida em outras
situações. Há determinadas situações em nossa vida que simplesmente não se
resolvem, não avançam.
11.
E nos encontramos diante de uma escolha: ou continuamos a girar em torno desse
problema toda uma vida, vivendo de remorsos e de amargura (que seria não
viver!), ou aceitamos a situação, reconciliamo-nos com a mesma e nos damos
conta que a vida não se limita a isso; que há um mundo de possibilidades e de
potencialidades dentro de nós que espera poder exprimir-se, através de outras
relações e canais.
12.
É como o grão de trigo: você pode retê-lo em sua mão, até que morra ou
confiá-lo à terra; que pode significar confiar à vontade de Deus, não numa
atitude de passiva resignação, mas de confiante abandono à providência. Há
certas coisas sobre as quais insistimos que talvez não seja o melhor para
nós. Talvez daqui venha a expressão: ‘Dar murro em ponta de faca’.
13.
Como sempre, constatamos que o Evangelho não está longe da nossa existência
comum, e nos fala da vida por pequenas histórias ou imagens. Para além de tudo
isso sabemos que seremos um dia, esse grão de trigo confiado à terra. Mas a
palavra de Jesus nos assegura uma nova primavera: “Ressurgiremos por crer,
nessa vida escondida no pão”. E não morreremos mais...
* Reflexão com base em texto de Raniero Cantalamessa.
Pe. João Bosco Vieira Leite