(Lv 19,1-2.17-18; Sl 102[103]; 1Cor 3,16-23; Mt 5,38-48)
1. As palavras de Jesus parecem
cancelar a antiga Lei de Talião que dizia: ‘aquilo que o outro te fez, você
fará a ele’, para nos dizer: ‘Aquilo que Deus fez a ti, faz tu aos outros’.
‘Como Deus te perdoou, perdoa também’. Depois nos fala de amar o inimigo e
rezar pelos que nos perseguem.
2. Nos perguntamos: é possível colocar
em prática uma exigência como essa? Respondemos sem meios termos: Não, não é
humanamente possível. Mas nos perguntaríamos também: Jesus nos pediria o
impossível? Certamente que não. A resposta é que Jesus não nos dá só o
mandamento, mas nos dá a graça, a capacidade de vive-lo.
3. Se Ele não nos desse os meios, sua
palavra restaria letra morta, ou no dizer de Paulo, ‘letra que mata’. Sim, mata
no sentido que seriamos esmagados por uma exigência que nunca seriamos capazes
de satisfazer. Como alguém que coloca diante de uma criança uma tonelada de
qualquer coisa e lhe ordena erguê-lo.
4. O que Jesus propõe é o que ele mesmo
viveu, se o contemplamos pregado na cruz, em sua dor pede ao Pai que perdoe,
pois não sabem o que fazem. Se Deus escutou sempre as orações de Seu Filho, não
deve ter deixado no vazio este seu pedido. No paraíso de Jesus não está só o
‘bom ladrão’. A misericórdia de Cristo transcende nossa compreensão.
5. Mas o fato de Jesus perdoar os
inimigos na cruz não é suficiente para dar-nos a força e a capacidade de amar
os inimigos. Jesus deu em Pentecostes e no nosso batismo o seu Espírito. Nos
comunicou as suas mesmas disposições, infundindo em nós, com a caridade, a sua
mesma capacidade de amar a todos, mesmo os inimigos.
6. Jesus não nos ordena simplesmente
‘fazer’, mas ele mesmo faz conosco e em nós. Não estamos mais sob a Lei, como
diz são Paulo, mas sob a graça. O que se pede ao ser humano é acolher essa
graça e colaborar com ela. Se não podemos pedir ao menino que levante uma
tonelada, podemos pedir que aperte o botão que acionará o mecanismo capaz de
fazê-lo.
7. Santo Agostinho, diante de certos
desafios da Palavra, rezava: “Senhor, dá-me o que me pedes e pede o que quiseres”.
Diante de uma ofensa, uma hostilidade, não podemos pedir à nossa natureza de
não provar a rebelião e saudar ao ofensor numa outra ocasião como se nada
tivesse acontecido.
8. Podemos pedir, com a oração, ao
Espírito de Cristo de fazê-lo em nós e conosco. Aqui não é importante o que se
sente, mas o que se quer; a vontade profunda, não o instinto. Se queres
perdoar, seriamente, esse já se deu dentro de ti. Esse exercício da vontade foi
vivido por muitos dos discípulos de Jesus, desde santo Estevão nos Atos dos
Apóstolos, aos santos de nossos dias.
9. Há quem se pergunte: que seria da
convivência humana se todos dessem a outra face como sugere Jesus? Não seria o
triunfo da injustiça? A questão é que a prática do ‘olho por olho’, e todos nós
o sabemos, vem provando infinitas lutas. Pensemos no Médio Oriente, entre
hebreus e palestinos e nem precisamos ir tão longe para ver os resultados de
tal prática.
10. Permanece entre nós esse espírito
de amargura, de hostilidade e não respeito ao adversário. Esse clima não polui
só a vida pública, mas também as relações familiares, parentes, amigos ou mesmo
as nossas comunidades de fé. No diálogo ecumênico entre cristãos de diversas
confissões sempre somos recordados que aquilo que nos une é mais forte do que
aquilo que nos separa.
11. Existem pessoas, até no meio
político, que não têm a necessidade de humilhar seus adversários; a estas basta
levar adiante com decisão, seus ideais. É sinal de fraqueza não conseguir expor
suas ideias sem atacar os outros. Não se trata de dar razão ao adversário, mas
de respeitá-lo como pessoas, e, para um cristão, também amá-lo. É preciso que
desejemos ser mais: “Se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa
tereis? Os cobradores de impostos não fazem a mesma coisa?...”
Pe. João Bosco Vieira Leite