6º Domingo do Tempo Comum – Ano A

(Ecl 15,16-21; Sl 118[119]; 1Cor 2,6-10; Mt 5,17-37)

1. O nosso longo evangelho de hoje traz uma série de comentários de Jesus sobre a Lei e os profetas, que bem conheciam seus ouvintes. Ele deixa claro que não veio tirar o seu valor, mas ampliar a sua compreensão. Vou limitar meu comentário à questão do divórcio apresentada por Jesus.

2. Comumente reduzimos a questão do divórcio ao aspecto jurídico e legal que finaliza uma relação e abre espaço a outra. Mas aqui Jesus leva essa problemática e as outras à sua raiz que é o coração. Se existe um adultério do coração, diz o nosso texto, então existe também o divórcio do coração.

3. Esse se consuma sem nenhum aspecto jurídico; basta o desafeto da própria esposa ou esposo para separação se instalar na intimidade conjugal, para viver sem amar ninguém ou ligar o próprio coração a uma outra pessoa. O muro da separação se ergue sem qualquer intervenção de advogados. Para o Evangelho, isto é uma forma de divórcio.

4. Sejamos sinceros: quantos não já vivem há anos essa forma prática de divórcio? Entre o casal já não há mais o desejo de perdoar-se, de reconciliar-se, quando a indiferença se estabelece ou certa hostilidade. O divórcio já se deu no coração. Não são mais uma só carne.

5. Se fala muito dos males do divórcio jurídico: mulheres condenadas à solidão, filhos psicologicamente comprometidos, por vezes obrigados a escolher entre o pai ou a mãe, ou sacudidos entre os dois genitores. Mas seriam esses danos menores para a sociedade e para os filhos do que entre aqueles que vivem o divórcio do coração?

6. Existem adolescentes problemáticos que são filhos de genitores que vivem sob o mesmo teto, no divórcio do coração, que brigam continuamente, se ofendem ou simplesmente se calam, reduzindo assim, o ciclo familiar a uma experiência infernal.

7. Talvez, pensamos, fosse melhor divorciar-se legalmente. Mas isso seria matar o doente, para curá-lo de uma doença grave. O remédio seria interromper o divórcio do coração, não o institucionalizar. “Que o homem não separe o que Deus uniu”, diz Jesus. Talvez aqui não se trate de algo externo aos dois. Mas que eles não se permitam. 

8. Sei que é difícil lutar com situações que se instalam, mas conheço matrimônios que recomeçaram pela dinâmica do perdão, de uma palavra de Deus que chega ao coração. Talvez sejam exceções. É mais fácil impedir que o divórcio do coração aconteça que mudá-lo quando este já se instalou.

9. É preciso estar atento aos contrastes, as incompreensões, as friezas quando estas vão surgindo. A causa primeira do divórcio do coração é o orgulho: o capricho de não querer ceder, de não pedir desculpa quando se erra. Antes, o não admitir nunca de ter errado.

10. O matrimônio nasce da humildade e não pode viver se não na humildade, como o peixe não consegue sobreviver fora do ambiente em que nasceu. Quando um homem se apaixona, ele se ajoelha e pede a sua amada em casamento. É um ato radical de humildade.

11. Aqui poderíamos destrinchar uma série de aspectos de uma relação, para que ela não acabe num divórcio do coração. “Não se vive um amor sem dor”, diz uma máxima do “Imitação de Cristo”. E isto vale também para o matrimônio. Não se mantém vivo um amor sem sacrifício e renúncias, se se pensa só em receber e nunca oferecer.

12. Os meios humanos, psicológicos, podem até ajudar, mas não bastam. É preciso ajuda do alto. O cultivo da oração, seja pessoal e entre os dois, ajuda a manter os corações mais próximos. E o que diz Jesus sobre as relações fraternas, vale também para o casal: “Se te lembrares que teu irmão tem alguma coisa contra ti...”. 

 

Pe. João Bosco Vieira Leite