(Is 58,7-10; Sl 111[112]; 1Cor 2,1-5; Mt 5,13-16)
1. Com as imagens da luz e do sal Jesus
indica, de modo bastante preciso, a missão dos seus discípulos: ser uma força
transformadora, elemento ativo no mundo. Assim a realidade vem aceita, não de
maneira súbita, como algo inesperado.
2. Jesus quer indicar que o cristão tem
uma ‘função pública’ como força antecipadora, precursora e como coeficiente de
periculosidade. Para ilustrar essa força precursora, um romance de Charles
Dickens traz um episódio interessante:
- Um homem toma uma carruagem e
durante o trajeto ele observa um estranho fenômeno e resolve consultar o
condutor da carruagem. – Pergunta ele ao cocheiro: ‘Como é possível que um
cavalo assim esquelético e desgastado consiga conduzir uma carroça assim tão
grande e pesada? Responde o condutor: - ‘A questão não é o cavalo, caro senhor,
mas a carruagem’. – ‘Como assim?’ Pergunta ele. – ‘Veja bem, tenho um magnifico
jogo de rodas que mantenho bem engraxadas; assim que o cavalo puxa os varais,
as rodas se colocam prontamente em movimento... Ao cavalo não lhe resta senão
colocar-se a galope se não quiser que a carroça passe por cima dele...”
3. A partir dessa imagem podemos
compreender que a vida cristã deveria ser como a desse cavalo encarregado de
‘puxar’ a carroça do mundo e da história. Pode acontecer que seja o peso, a
carga, que faça o cavalo andar, e não um esforço consciente de antecipação, de
fidelidade às responsabilidades, mas o medo de vir atropelado, superado.
4. Nós é que deveríamos criar o novo,
produzir eventos. E muitas vezes acabamos surpreendidos pelos fatos. E o máximo
que conseguimos fazer é adequar-nos com enorme dificuldade, e pouco
convencidos, para não ficarmos de fora... ou não sermos atropelados.
5. Em outros termos: muitas vezes nos
limitamos a reconhecer aquilo que acontece fora de nós, sem nós, e por vezes
contra nós. Ao invés de tomarmos a iniciativa, nos submetemos as iniciativas
dos outros. E somos quase sempre obrigados a ficar na defensiva.
6. Diz um autor: “A religião
deve constituir uma força transformadora da vida do homem no seu mundo. Assim,
a Igreja não pode contentar-se de entrar em cena quando as outras forças já
deixaram sua marca na vida moderna. A sua deve ser uma força potente que
contribua à configuração da própria vida” (J. A. Gomez).
7. Uma força transformadora não pode
ficar tão somente a olhar – talvez julgando e sentenciando – o que fazem os
outros. A única maneira de não sermos ‘superados’ pelos acontecimentos, e de
não sermos deixados de fora, é o de criar fatos, de fazer história.
8. O coeficiente de periculosidade da
vida cristã está em sua presença, em denunciar as falsas seguranças, o perigo da
indiferença, da autossuficiência, das cômodas sistematizações, dos valores
atuais. O cristão deve ter medo de um estilo de vida insignificante. Que não
tem nada a dizer; alguém irrelevante.
9. Jesus entendia que a nossa vida
deveria contagiar quem se aproxima de nós. A nossa fé ou é vírus ou é vacina. A
vacina imuniza, faz o outro indiferente, até o ponto de nem dar-se conta da
nossa existência.
10. Há uma canção chamada “Se calarem a
voz dos profetas” que diz em seus versos: “comungar é tornar-se um perigo,
viemos pra incomodar”. Jesus nos lembra que a nossa vida cristã não pode passar
de maneira inexpressiva, medíocre, mas que ela seja luz, sal não somente para
mim, mas também para os outros. Mesmo que o outro se sinta incomodado com a
minha presença e com o meu modo de ver às coisas a partir da luz de
Deus.
Pe. João Bosco Vieira Leite