(Gn
2,7-9; 3,1-7; Sl 50[51]; Rm 5,12-19; Mt 4,1-11)
1. Na quarta-feira, recordávamos na
introdução da nossa celebração das Cinzas que a quaresma é considerada um dos
tempos fortes do Ano Litúrgico. ‘Forte’ porque grande é o mistério que nos vem
recordado, a morte e a ressurreição de Cristo; forte também pelo esforço maior
que é pedido a cada fiel na sua luta contra o mal e na sua solidariedade com os
necessitados.
2. Neste primeiro domingo da Quaresma,
podemos contemplar a Jesus como aquele que liberta a humanidade das forças
demoníacas, da angústia e do medo do demônio. O evangelho nos diz que ele foi
conduzido pelo Espírito para ser tentado pelo demônio.
3. E assim temos os dois protagonistas
da nossa história: Jesus e o diabo. O demônio, o satanismo e outros fenômenos
conexos são hoje de grande atualidade, e inquietam não pouco a nossa sociedade.
O nosso mundo tecnológico e industrializado pulula de magos, feiticeiros,
ocultismo, espiritismo, horóscopo, amuletos, de seitas satânicas. Expulsamos o
demônio da fé, e ele reaparece revestido de superstições...
4. Sempre nos perguntamos: existe o
demônio? A palavra demônio indica uma realidade pessoal dotada de inteligência
e vontade, ou é simplesmente um símbolo, um modo de dizer para indicar a soma
do mal moral no mundo, um inconsciente coletivo, uma alienação coletiva e por
aí vai?
5. Muitos intelectuais não creem no
demônio como uma realidade pessoal. Alguns pensadores e escritores tomam
seriamente a sua existência. Um deles escreveu que “a grande astúcia do demônio
é fazer crer que ele não existe” (Baudelaire). Mas o evangelho insiste em sua
existência em várias situações de libertação na ação de Jesus.
6. Essas ações de Jesus não são a prova
principal, pois na interpretação desses fatos havia fatores como doenças que
eram interpretadas como ação do demônio, como por exemplo a epilepsia, que
sabemos não ter nada a ver.
7. A prova verdadeira está na vida dos
santos. Na vida desses, satanás foi obrigado e se revelar, a colocar-se contra
a luz. A tentação de Jesus no deserto é a prova. Muitos santos lutaram na vida
com o príncipe das trevas. Eles não são ‘dom quixotes’ lutando contra moinhos
de vento. Eram pessoas concretas e de sã condição psicológica.
8. São Francisco, certa vez confidenciou
a um companheiro: “Se os frades soubessem quantas e quais tribulações eu recebo
do demônio, não haveria um que não se colocasse a chorar por mim”. Ao demônio
não interessa o que se escreve sobre ele, se existe ou não, mas pessoas que se
decidem seriamente por Deus.
9. É normal e coerente que quem não crê
no diabo, não creia em Deus. O trágico seria alguém que não crê em Deus, mas
acredita no diabo. Mas o que diz a nossa fé cristã sobre ele? A coisa mais
importante não é afirmar ou provar que o demônio existe, mas saber que Cristo
venceu o demônio (cf. Hb 2,14-15).
10. A rigor, nem mesmo deveríamos dizer
que acreditamos no demônio, pois crer significa ter confiança e nós não temos
confiança nele. Apenas sabemos de sua existência. Se lhe é concedido poder
sobre o ser humano, é porque alguns têm a possibilidade de, em liberdade, fazer
uma escolha de campo, e na sua autossuficiência, não precisam de um Redentor.
11. Por fim: Como ajustar-se na
prática, num campo como esse, onde reina tanta confusão e falta de seriedade?
Não é algo simples. Há quem se iluda em atribuir diretamente ao demônio o
próprio erro, sem tomar seriamente as responsabilidades e afrontar as raízes do
mal que está em si. Como Eva, dizemos que a culpa é da serpente...
12. Não posso aqui entrar em vários
outros aspectos que dizem respeito a esse assunto. Uma coisa é certa, o demônio
não está para exibir-se. Ele age discretamente, e isso exige de nós
discernimento dos espíritos. A quem ande expulsando demônio ‘a três por
quatro’. Não existe exorcismo, se verdadeiro, fácil. A Igreja entende que
algumas situações exigem análise rigorosa e ação de quem é encarregado de tal
ministério.
13. Esses tempos novos da internet exige uma
atenção redobrada dos pais. Há pessoas e jogos que induzem nossos adolescentes
a práticas e ritos opacos, que geram traumas e danos ao equilíbrio psíquico. A
todos nós, é preciso manter nossa atenção no próprio Jesus. Não devemos ter
medo. É Ele que liberto nos liberta. E com Ele caminhamos para a Páscoa.
Campanha da
Fraternidade 2023 – Fraternidade e Fome
“Dai-lhes vós mesmos
de comer!” (Mt 14,16)
CF = Campanha da Fraternidade
Apresentação
A CF é o modo brasileiro de celebrar a Quaresma. Ela não esgota a Quaresma.
Dá-lhe, porém, o tom, mostrando, a partir de uma situação bem específica, o que
o pecado pode fazer quando não o enfrentamos. Por isso, cada ano, recebemos um
convite para viver a Quaresma à luz da CF e viver a CF em espírito de conversão
pessoal, comunitária e social.
Este ano, com o tema “Fraternidade e Fome”, somos convocados a considerar a
fome como referência para nossa reflexão e nosso propósito de conversão. Temos,
sem dúvida, fome de Deus. Desejamos estar com Ele e poder participar de seu
amor e de sua misericórdia. Temos fome de paz, fraternidade, verdade, concórdia
e tudo mais que efetivamente nos humaniza.
A fome, bem sabemos, é um ato de preservação. É sinal para que não distraiamos
quando nosso organismo sente falta do necessário para viver. O que ocorre,
porém, quando o alimento não chega ao ser humano? O que faz uma sociedade ter
filhos e filhas a quem, embora busquem, chamem, gritem e chorem, não chega o
alimento? Por isso, a fome é também um desafio social, humanitário, uma situação
que não se pode deixar de enfrentar, pois a fome de uns – a fome de uma só
pessoa! – onera a todos nós, onera a sociedade inteira. Cada ser humano que não
encontra o necessário para se alimentar é, em si, um questionamento a respeito
dos rumos que estamos dando a nós mesmos e à nossa sociedade. A fome é um dos
retratos mais cruéis da desigualdade.
E o Brasil sente fome. Milhões de brasileiros e brasileiras experimentam a
triste e humilhante situação de não poder se alimentar nem dar aos seus filhos
e filhas o alimento indispensável a cada dia. Por isso a CNBB apresenta, pela
terceira vez, o tema da fome para a CF (1975, 1985 e 2023). (Extraído do Texto
Base).
Pe. João Bosco Vieira Leite