4º Domingo da Quaresma – Ano C

(Js 5,9-12; Sl 33[34]; 2Cor 5,17-21; Lc 15,1-3.11-32)

1. A parábola que acabamos de acompanhar, tem, nesse período quaresmal, seu centro de reflexão na figura do pai, não tanto do filho, chamado ‘pródigo’. A ele retornaremos no Tempo Comum.

2. O que logo chama a atenção é esse silêncio diante do filho mais novo que fala, pretende. O pai não diz uma palavra. Um silêncio de amor, respeitoso da liberdade do filho. Aceita o risco da liberdade. Sem liberdade não há amor. Desde o momento que Deus criou o ser humano, Deus já se colou em risco.

3. Nos perguntamos instintivamente: por que não o reteve? Por que não o deixou partir sem nada? A verdadeira paternidade é discrição. Aceita o risco da liberdade. Paternidade não é paternalismo, que é uma deformação. Na tentativa de proteger, acaba sufocando o crescimento do indivíduo, infantilizando o mesmo.

4. No contexto do evangelho, Deus não aparece como um pai que tranca a porta para que os filhos não saiam de noite, mas como uma luz que ilumina, uma bússola misteriosa que orienta o homem em suas escolhas, que não o abandona no exercício da liberdade, ajudando a refazer-se nos eventos que parecem desastrosos.

5. O pai não tem necessidade de partir visivelmente com o filho. Vai com ele de modo escondido, interior, que mais tarde explodirá em saudade. Vem o tempo da espera. Parece que o pai ficou em casa esperando o filho que lhe escapou, perscrutando o horizonte.

6. Na realidade seu coração se foi com o filho, o amor não se resigna com a separação, com a distância. O amor é uma realidade dinâmica, está sempre em movimento. Os passos do perdão chegam mais longe que a distância criada pela ruptura. Deus é aquele que não se resigna com a perda do pecador.

7. É comum olharmos a longa estrada que leva o filho a ‘cair em si’ e resolver voltar, mas essencialmente é o pai o grande caminhante que corre ao encontro do filho, o vê de longe, lhe restitui a dignidade de filho e faz festa.

8. Mas para um filho que retorna de longe, tem sempre um outro filho que sempre esteve dentro, exemplar em sua conduta, mas que não quer reentrar. Que não quer a festa, que não suporta a alegria do pai, que não reconhece o irmão.

9. É o pai que deve sair novamente para convencer o filho obediente. Convencê-lo a mudar o coração, de comungar com sua alegria. Um retorna com a mentalidade de servo e o outro permanece fora com a sua mentalidade de contabilista e não em sintonia com o coração do pai.

10. O pai insiste em dizer que era preciso festejar, por isso sai para procurar aquele que ficou, e recuperar aquele que não se perdeu. Tenta convencer a entrar aquele que é convicto de ‘estar dentro’...

11. Pior do que não estar em comunhão com Deus é achar que está tudo bem, que tudo está no seu lugar. Carregar a falsa segurança de que segue pelo bom caminho numa perfeição executiva, sem alma, sem criatividade.

12. Talvez a conversão mais difícil é a de quem não se acha necessitado de conversão. Por isso a parábola não tem um ‘final feliz’. Este só se dará com a conversão do filho mais velho. Aquele que ficou. Que se acha justo.

13. Podemos nos reconhecer naquele filho que se foi, tanto quanto no filho que ficou em seu trabalho, mas sem alegria e sem amor. Para ambos, a parábola nos apresenta a exigência da conversão. Conversão como capacidade de misturar os nossos passos com aqueles de Deus. De compartilhar esse seu ‘desejo’ de festa. 

 Pe. João Bosco Vieira Leite