1º Domingo da Quaresma – Ano C

(Dt 26,4-10; Sl 90[91]; Rm 10,8-13; Lc 4,1-13)

1. As primeiras gerações cristãs se interessaram muito pelas provações que Jesus teve de superar para manter-se fiel a Deus. O relato das tentações de Jesus não é um episódio isolado que aconteceu num momento e num lugar determinado.

2. Lucas nos adverte que, ao terminar essas tentações, ‘o diabo se afastou de Jesus, para retornar no tempo oportuno’. As tentações voltarão na vida de Jesus e na de seus seguidores.

3. Por isso essa narrativa acontece antes do início da atividade profética de Jesus nos evangelhos. Seus seguidores precisam conhecer bem essas tentações desde o início, pois são as mesmas que eles terão que superar ao longo dos séculos se não quiserem desviar-se dele.

4. Estamos no deserto, forte imagem do Antigo Testamento, onde muitas aventuras espirituais aconteceram. Para além de todas as experiências humanas que o deserto provoca, ele nos permite estar a sós conosco mesmos. Por isso nos retiros espirituais os candidatos são convidados a fazer ‘deserto’ em torno a si.

5. A grande prova do deserto é aquela da fé. Sem essa não se pode viver no deserto. O deserto é lugar de encontro com Deus. Graças a presença do Único necessário, o deserto pode vir a ser resgatado de sua aridez e esterilidade. Transforma-se em terra fecunda.

6. Mas tem também seu contraponto. O tentador se faz presente. Ele desorienta, mistura, bagunça tudo. Ele mistura o sagrado com o consumível, o bom com o mau. Ele mistura até mesmo suas intenções impuras às palavras sagradas. Ele tenta Jesus com palavras da Bíblia, com palavras que são sagradas. Em sua boca elas perdem o caráter sagrado, tornam-se uma tentação.

7. A confusão dos pensamentos é provavelmente a maior tentação a que estamos expostos hoje em nossa sociedade, em que podemos pensar tudo, e que todos os sistemas de pensamento nos são apresentados.

8. Dentro desse quadro, poderíamos dizer que as tentações de Jesus representam uma tentativa, da parte do diabo, de fazê-lo desviar da estrada da fidelidade a Deus. Uma estrada que passa através da fragilidade, da humilhação e da cruz. O diabo propõe três atalhos para Jesus evitar essa estrada incômoda.

9. O atalho de uma fácil popularidade, obtida pela redução da salvação à dimensão econômica (transformar pedra em pão’); pelo atalho do poder (para isso Jesus deve prostrar-se em adoração ao diabo, deixando Deus de lado). O atalho do sucesso espetacular, dessa instrumentalização da fé e da religião para fins particulares.

10. Jesus rejeita essas tentações e reafirma sua escolha de uma missão que se desenvolve ao longo do caminho assinalado por seu Pai. Uma missão que rejeita de limitar a perspectiva humana ao horizonte do pão ou dos bens materiais, mas que se preocupa de fazer-lhe descobrir e satisfazer uma outra fome.

11. A missão que rejeita as sugestões do domínio sobre os outros, da constrição e dos condicionamentos vários, mas escolhe a estrada da paciência, do amor e da liberdade, aceitando, portanto, o risco de ser rejeitado.

12. Uma missão que não tem por finalidade assombrar as pessoas com milagres, mas com uma cruz, ali onde o milagre consistirá em não descer dela, como desejará o tentador. E que, a partir dessa cruz, outros milagres se darão.

13. São essas tentações que devemos também nós confrontar, sobretudo quando se trata de escolhas no campo da fé, de tentações que devemos rejeitar a cada dia, se quisermos conservar a nossa filiação e poder recitar, com certa convicção, ao rezarmos o Pai nosso: ‘seja feita a vossa vontade’. 

 Pe. João Bosco Vieira Leite