(Gn 2,18-24; Sl 127[128]; Hb 2,9-11; Mc 10,1-16)
1. Mais uma vez os fariseus colocam
Jesus à prova. Desta vez tentam fazer com que se posicione a favor de alguma
das escolas rabínicas que discutiam essa matéria, ou mesmo deixa-lo em maus
lençóis com Herodes Antipas que mandou matar a João Batista que desposara
Herodiades, mulher do seu irmão, repudiando a esposa legítima.
2. O divórcio era admitido entre os
hebreus. Mas a discussão permanecia aberta a respeito do motivo. Esse ia das
situações mais fúteis, como queimar a comida, passando pela moral do tempo que
não permitia a mulher sair sem véu ou conversar na rua, chegando ao mais grave:
o adultério. Sobre esse último não havia discussão. A iniciativa, com
raríssimas exceções, dizia respeito ao marido.
3. Toda essa controvérsia vem de uma
expressão do Deuteronômio (24,1-4) que diz: ‘...se o homem encontrar nela
qualquer coisa de vergonhoso...’. A única restrição a um divórcio estava ligada
ao dinheiro, pois ao repudiar a mulher era preciso dar-lhe uma soma
estabelecida no contrato matrimonial. Não tendo o dinheiro, ele deveria
permanecer com a mulher que não lhe agradava, e lhe era consentido ter outra
mulher em casa. Daí as situações de poligamia.
4. É por causa desse quadro que Jesus
não se deixa envolver em tal discussão. E deixa claro que a concessão de Moisés
não tem nada a ver com a vontade de Deus, apenas atesta a incapacidade de viver
o amor na relação homem-mulher, como vive Deus em sua aliança estreita com o
seu povo.
5. Por isso Jesus leva a questão para o
que estava no princípio, para recordar o projeto de Deus quanto ao homem e a
mulher, mostrando que a vontade divina implica uma união estreita entre os
sexos com característica de indissolubilidade.
6. Jesus deixa claro que o homem não
deve entender-se como ‘legislador’, mas indica ao marido a sua responsabilidade
pessoal. Jesus não olha sob a ótica legal, mas espiritual, que é muito mais
vinculante; se deixa sua aplicação a uma consciência cristã iluminada.
7. Jesus quer assim alargar os
horizontes, pensando o desejo de Deus quando os criou. Ele não entende o
matrimônio como contrato. Ele se coloca sobre o plano da dignidade da pessoa e
da seriedade do amor.
8. Não hesita em definir como
‘adultério’ a ruptura de uma relação e de um ‘pacto’ que não tem nada de
contrato, mas deve ter por base o esquema da Aliança de Deus com o seu povo, e
constituir uma comunidade estável, a despeito das contingências da vida.
9. Se Moisés ofereceu um mandamento,
Jesus oferece uma possibilidade. Logo Ele que parece mais exigente, na
realidade se mostra mais aberto. Aberto em direção das possibilidades do ser
humano. O que Ele propõe é retornar ao projeto inicial de Deus, para reencontra
n’Ele a força que o ser humano não pode encontra em si mesmo.
10. O fato de Jesus se colocar numa
perspectiva espiritual não diminui suas exigências. Pois não coloca a relação
no invólucro protetivo da lei, mas na consciência pessoal, pois essa, quando
funciona, não deixa ninguém tranquilo. Não se trata de estar ‘em dia’ com o que
é ‘permitido’.
11. Ele exige dos que estabelecem uma
aliança, buscarem a luz e a força, em Deus, para superarem todos os elementos
desagregadores, curar as feridas, e reencontrar o frescor de um dom que
representa um desafio ao provisório. Uma fidelidade criativa que se insira na
linha do amor, não da lei. Não é uma questão de continuar, mas de recomeçar.
12. É verdade, as relações se
desgastam, as motivações inicias já não existem. A rotina faz pesar os passos.
Emergem os defeitos do outro (quase nunca os nossos). As dificuldades são
reais. Nos cansamos.
13. Deus também teve suas dificuldades
com o ser humano. E muitas vezes se cansou. Quando percebeu que não podia mais
continuar, decidiu vir em busca do ser humano. Quando a distância se tornou
grande, e entre os dois não havia nada em comum, Deus decidiu abolir a
distância vindo ao encontro, dando um passo decisivo na encarnação.
14. Quem não há dito qualquer vez,
‘assim não se pode mais seguir adiante’, ‘nestas condições é impossível
continuar’? E paramos. Deus busca fazer alguma coisa. Não se contenta em deixar
as coisas como estão. Traz de novo o alegre anúncio de seu amor incurável pelo
ser humano. Que podemos fazer para diminuir a distância dos
corações?
Pe. João Bosco Vieira Leite