27º Domingo do Tempo Comum – Ano B

(Gn 2,18-24; Sl 127[128]; Hb 2,9-11; Mc 10,1-16)

1. Mais uma vez os fariseus colocam Jesus à prova. Desta vez tentam fazer com que se posicione a favor de alguma das escolas rabínicas que discutiam essa matéria, ou mesmo deixa-lo em maus lençóis com Herodes Antipas que mandou matar a João Batista que desposara Herodiades, mulher do seu irmão, repudiando a esposa legítima.

2. O divórcio era admitido entre os hebreus. Mas a discussão permanecia aberta a respeito do motivo. Esse ia das situações mais fúteis, como queimar a comida, passando pela moral do tempo que não permitia a mulher sair sem véu ou conversar na rua, chegando ao mais grave: o adultério. Sobre esse último não havia discussão. A iniciativa, com raríssimas exceções, dizia respeito ao marido.  

3. Toda essa controvérsia vem de uma expressão do Deuteronômio (24,1-4) que diz: ‘...se o homem encontrar nela qualquer coisa de vergonhoso...’. A única restrição a um divórcio estava ligada ao dinheiro, pois ao repudiar a mulher era preciso dar-lhe uma soma estabelecida no contrato matrimonial. Não tendo o dinheiro, ele deveria permanecer com a mulher que não lhe agradava, e lhe era consentido ter outra mulher em casa. Daí as situações de poligamia.

4. É por causa desse quadro que Jesus não se deixa envolver em tal discussão. E deixa claro que a concessão de Moisés não tem nada a ver com a vontade de Deus, apenas atesta a incapacidade de viver o amor na relação homem-mulher, como vive Deus em sua aliança estreita com o seu povo.

5. Por isso Jesus leva a questão para o que estava no princípio, para recordar o projeto de Deus quanto ao homem e a mulher, mostrando que a vontade divina implica uma união estreita entre os sexos com característica de indissolubilidade.

6. Jesus deixa claro que o homem não deve entender-se como ‘legislador’, mas indica ao marido a sua responsabilidade pessoal. Jesus não olha sob a ótica legal, mas espiritual, que é muito mais vinculante; se deixa sua aplicação a uma consciência cristã iluminada.

7. Jesus quer assim alargar os horizontes, pensando o desejo de Deus quando os criou. Ele não entende o matrimônio como contrato. Ele se coloca sobre o plano da dignidade da pessoa e da seriedade do amor.

8. Não hesita em definir como ‘adultério’ a ruptura de uma relação e de um ‘pacto’ que não tem nada de contrato, mas deve ter por base o esquema da Aliança de Deus com o seu povo, e constituir uma comunidade estável, a despeito das contingências da vida.

9. Se Moisés ofereceu um mandamento, Jesus oferece uma possibilidade. Logo Ele que parece mais exigente, na realidade se mostra mais aberto. Aberto em direção das possibilidades do ser humano. O que Ele propõe é retornar ao projeto inicial de Deus, para reencontra n’Ele a força que o ser humano não pode encontra em si mesmo.

10. O fato de Jesus se colocar numa perspectiva espiritual não diminui suas exigências. Pois não coloca a relação no invólucro protetivo da lei, mas na consciência pessoal, pois essa, quando funciona, não deixa ninguém tranquilo. Não se trata de estar ‘em dia’ com o que é ‘permitido’.

11. Ele exige dos que estabelecem uma aliança, buscarem a luz e a força, em Deus, para superarem todos os elementos desagregadores, curar as feridas, e reencontrar o frescor de um dom que representa um desafio ao provisório. Uma fidelidade criativa que se insira na linha do amor, não da lei. Não é uma questão de continuar, mas de recomeçar.

12. É verdade, as relações se desgastam, as motivações inicias já não existem. A rotina faz pesar os passos. Emergem os defeitos do outro (quase nunca os nossos). As dificuldades são reais. Nos cansamos.

13. Deus também teve suas dificuldades com o ser humano. E muitas vezes se cansou. Quando percebeu que não podia mais continuar, decidiu vir em busca do ser humano. Quando a distância se tornou grande, e entre os dois não havia nada em comum, Deus decidiu abolir a distância vindo ao encontro, dando um passo decisivo na encarnação.

14. Quem não há dito qualquer vez, ‘assim não se pode mais seguir adiante’, ‘nestas condições é impossível continuar’? E paramos. Deus busca fazer alguma coisa. Não se contenta em deixar as coisas como estão. Traz de novo o alegre anúncio de seu amor incurável pelo ser humano. Que podemos fazer para diminuir a distância dos corações?   

 Pe. João Bosco Vieira Leite