18º Domingo do Tempo Comum – Ano C

(Ecl 1,2; 2,21-23; Sl 89[90]; Cl 3,1-5.9-11; Lc 12,13-21) *

1. Há uma experiência humana que todos, num certo ponto da vida fazemos com maior ou menor clareza: aquela da sua precariedade e fugacidade, do fluir implacável do tempo e das coisas. E diante dessa realidade, são diversas as reações, como esta do autor da 1ª leitura.

2. Suas palavras refletem um estado singular de fé: aquele em que se crê na existência e no juízo de Deus, ainda que não esteja clara para ele uma outra vida para além do morrer. O máximo que ele pode esperar como recompensa pelo bem feito é uma vida longa e uma numerosa prole.

3. O termo ‘vaidade’ traduz uma palavra hebraica que significa vapor que se dispersa no ar. Vai na mesma linha de textos como o de Isaías: o homem é como a erva e como a flor do campo: seca a erva e a flor murcha (40,6-7). Isso gera um desconforto que só na fé em Deus e num grande amor à vida impedem de transformar-se em desespero e revolta.

4. Mas a luz que buscamos vem do Evangelho. Temos uma situação de alguém que pede a intervenção de Jesus numa questão de herança. Um litígio sempre atual que envenena famílias, transforma irmãos em inimigos, situações que findam diante de um tribunal.

5. Jesus rejeita posicionar-se em tal situação. Ele veio proclamar o reino de Deus que é justiça diante de Deus, não só diante dos homens; rejeita ser árbitro em mesquinhas questões de interesses pessoais.

6. Com a recomendação a ter cuidado com a ganância, Jesus quer levá-los a perceber que ao colocarem os bens terrenos em primeiro lugar, muita coisa importante fica em segundo plano. E para fazer-se melhor entender, conta-lhes uma parábola.

7. Aqui o Evangelho entra em sintonia com o autor da 1ª leitura, ao condenar o acúmulo como algo insensato. São como formigas que juntam e juntam para um inverno que nem sabe se alcançarão.

8. Ninguém está dizendo que o ser humano não deve trabalhar ou tornar melhor sua forma de produzir. O que se condena é o viver para acumular, reduzir-se a uma máquina de fazer dinheiro. Se deve fazer dinheiro para viver, não viver para fazer dinheiro.

9. Quantas vidas marcadas pela busca de posse e poder em seus fins trágicos não nos levaram a exclamar como o Evangelho: “Louco!”. A essa sabedoria e bom senso já presentes no Antigo Testamento, ao final do evangelho Jesus acrescenta algo absolutamente novo: existe uma vida para além da morte, uma vida eterna junto a Deus.

10. Esse ser rico diante de Deus, deixa claro que o erro não é acumular, mas acumular para si, quando se poderia ser rico diante de Deus a partir da prática do bem ao próximo. São as riquezas que portamos conosco, quando partirmos dessa vida. O valor não está no que temos, mas no que fizemos.

11. As leituras nos lembram que perdida a fé em Deus e na vida eterna, o ser humano se encontra na situação do autor da 1ª leitura: a vida parece um contrassenso, ou em termos modernos: “Tudo é um absurdo”. Findamos naquilo que certos filósofos e escritores dizem ser ainda pior: a ‘náusea’ diante das coisas. No dizer de Sartre, as coisas são ‘demais’, são opressoras.

12. Nosso Evangelho sugere tomar cuidado com essa via perigosa. É sempre possível encontrar a beleza e a santidade de nossa existência se deixarmos de tão somente querer possuir, ou de só consumir, redescobrindo que a nossa vida aqui prepara e facilita o nosso destino eterno.

13. Concluo com a oração da missa do domingo anterior: “Ó Deus, amparo dos que em vós esperam, sem vos nada tem valor, nada é santo. Multiplicai em nós a vossa misericórdia para que, conduzidos por vós, usemos agora de tal modo os bens temporais, que possamos aderir desde já aos bens eternos”.

* Com base em texto de Raniero Cantalamessa.

Pe. João Bosco Vieira Leite