(Sb 18,6-9; Sl 32[33]; Hb 11,1-2.8-19; Lc 12,32-48)*
1.
O Evangelho de hoje se presta a várias considerações: a fé, a vigilância; a
esmola, o tornar-se pobre. Mas sem adentrar-nos nesses temas que, de alguma
forma, já vimos, e voltaremos a ver, podemos nos reter nas palavras iniciais do
nosso evangelho: “Não tenhais medo, pequenino rebanho...”.
2.
Essa é a frase conclusiva da 1ª parte desse capítulo 12 de Lucas, que está toda
dedicada ao ensinamento de Jesus sobre o que os discípulos devem ou não temer.
Das palavras de Jesus fica claro que existem dois tipos de medo, de acordo com
o objeto que se teme: o temor de Deus e dos homens ou das coisas.
3.
O temor de Deus, ou temor religioso, apresenta-se de duas formas. Há um temor
que é simples consequência de que Deus é Deus e nós somos seres humanos ou
criaturas; é o sentimento do divino ou do sobrenatural, o modo como se
manifesta, ultrapassando nossa capacidade de lidar com Sua manifestação.
4.
Há um segundo temor de Deus que está ligado ao pecado e que é ou medo de
cometer o pecado ou o medo de havê-lo cometido. Este último se identifica com o
sentimento de culpa, ou remorso, como na experiência dos nossos primeiros pais.
5.
Em geral quando a bíblia inculca como um valor e um dom do Espírito Santo o
temor de Deus fala da primeira espécie de temor: o que precede o pecado e leva
a evitá-lo. Este temor é chamado ‘o início da sabedoria’. Mas o objetivo não é
permanecer nesse sentimento, mas suscitar o amor: “Amarás o Senhor teu
Deus...”.
6.
Há uma forma de temor de Deus – o temor reverencial – que é muito próxima do
amor e harmoniza também os relacionamentos entre filho e pai. Este pode
coexistir também com o sentimento de confiança, como bem expressa o nosso
salmo: “Mas o Senhor pousa o seu olhar sobre os que o temem, e que confiam
esperando em seu amor...”.
7.
Esse amor a Deus deve ser o antídoto aos outros temores que carregamos. O medo
é nossa condição existencial; ele nos acompanha da infância até a morte. Não só
ligado às fases da vida, mas estão ligados aos aspectos culturais, socais,
econômicos e até evolutivos da caminhada humana.
8.
Sobre cada um destes medos Jesus pronunciou seu “Não temais!”. Esta
é uma palavra eficaz, quase sacramental; como todas as palavras de Jesus, opera
o que significa; não é o simples “Coragem!” que dirigimos um
ao outro. Em sua própria experiência está a nossa referência.
9.
É preciso descobrir no evangelho estes diversos estágios de libertação: da
ânsia, das palpitações, das várias neuroses, da pressa, do urgente etc. Ou o
evangelho liberta nosso coração ou – como está acontecendo sempre com mais
frequência – será o infarto.
10.
Não vou entrar em detalhes dos medos humanos ou de suas técnicas de combate,
mas no convite que Jesus nos faz. A libertação não está numa ideia ou numa
técnica, mas numa pessoa: Jesus que nos amou! O dissipador de todo medo é
Jesus; o medo é carência ou perda de liberdade interior e Jesus veio para nos
chamar à liberdade.
11.
O assunto sobre a libertação dos medos é delicado e nós não devemos cair em
receitas fáceis que não correspondem à realidade dos fatos nem ao Evangelho.
Jesus pode libertar de toda angústia e o faz infalivelmente se recorremos a
ele.
12.
O medo é algo muito ingrato, muito próximo ao pecado, muito incompatível para
um filho; Jesus sabe disso, por isso pede que lhe peçamos nos libertar: pedi e
recebereis. É preciso fazer como se faz com as doenças e as chagas: mostrá-las
ao médico; como com os pecados: acusá-los e jogá-los fora.
13.
É preciso iluminar nossos medos, tomar quase na mão o próprio coração, parar
com calma e dizer ao mesmo: de que estás tremendo? Onde está a nossa confiança
em Deus? A solidão é um grande fabricante de medos. Como podemos nos ajudar
comunitariamente? “Por que tenho medo, se nada é impossível para
ti?...”.
* com base em texto de Raniero
Cantalamessa.
Pe.
João Bosco Vieira Leite