4º Domingo da Quaresma – Ano A

(1Sm 16,1.6-7.10-13; Sl 22[23]; Jo 9,1-41)

1. João, em seu evangelho, insere em sua narrativa somente sete milagres realizados por Jesus. Esse da cura do cego de nascimento ocupa todo um capítulo, adquirindo particular relevo.

2. Estamos diante de uma narrativa magistralmente elaborada, numa sucessão rápida de sequência, de uma dramaticidade misturada com humor, da obtusidade à inteligência, da dureza à compaixão, do fechamento prejudicial à adesão confiante. Para além de um pequeno tratado sobre a fé, esta narrativa pode ser considerada um estudo de psicologia.

3. Como ponto de partida, temos a descrição, muito sóbria, e um pouco estranha, do milagre. Deste fato inicial, partem duas linhas contrapostas. Os fariseus, diante da evidência do milagre, se fecham sempre mais em sua incredulidade. O beneficiado, ao contrário, se abre progressivamente à fé.

4. O cego passa a ser o elemento incômodo ou o problema em cena. O penoso fato de ter nascido cego, desperta a curiosidade de sua doença. Em sua mentalidade hebraica, os apóstolos ligam enfermidade e culpa. Jesus discorda de tal atitude diante do mal.

5. O mal está ali, sob os nossos olhos, não para que o expliquemos, elaboremos teorias, mas para que o combatamos. Os discípulos assumem uma atitude fatalista diante do cego ao tempo que se resignam facilmente diante da desgraça do outro. Se contentam em obter uma explicação, sem suspeitar que deveriam lutar para que aquilo não acontecesse.

6. O cego sempre foi cego e assim deve permanecer. Fez por merecer, pensam eles. Jesus, ao contrário, indica claramente que a fé é um princípio de indignação, não um princípio de resignação.

7. O pobre cego torna-se uma complicação depois da cura. Disputa entre vizinhos, causa de mexericos, interpretações várias, investigação, processos... Invés da alegria por esse evento extraordinário, assistimos a uma série incredível de contestações. Poderíamos concluir que, para alguns, seria melhor que continuasse cego. Agora que vê, pode ser motivo de perturbação.

8. A culpa imperdoável aqui é a data da cura, ela acontece num dia de sábado. É interessante nesse vai e vem do cego e das pessoas em torno dele, o segundo interrogatório. Cansado de repetir como tudo sucedera, ele questiona, ironicamente, se querem se tornar discípulos dele. Segue-se uma reação carregada de insultos.

9. O cego lhes apresenta em maliciosa ingenuidade a sua lógica simples sobre Jesus. Eles não aceitam. São estudiosos. Não pode ser assim. E o expulsam. É quando se encontra com Jesus e um questionamento diferente tem início. E por esse itinerário chega a uma profissão de fé.

10. Uma fé que vem de modo gradual: “Não sei”. “É um profeta”. “Vem de Deus”. “Creio”. Agora a cura é completa (corpo e alma). Os olhos se abrem à luz de modo total. Neste ponto Jesus se dá conta dos outros cegos em circulação. Sobre a responsabilidade de não querer enxergar. Os fariseus percebem que fala deles.

11. E assim voltamos ao início. Há uma cegueira por própria culpa. O pecado consiste em pretender ver, fechando os olhos à própria luz. Esse tipo de cegueira torna o milagre impossível. Jesus não pode curar quem não admite a própria cegueira. Ele só consegue abrir os olhos àqueles que não os querem fechados...

12. Seria bom voltarmos de maneira atenta ao texto. Podemos encontrar aqui o drama da nossa incredulidade, ou, se preferirmos, do nosso ‘crer de crer’.

 

4º Domingo da Quaresma – Campanha da Fraternidade 2023 – Texto Base

A fome é uma realidade no Brasil. E este fato não pode ser negado. Ela é o flagelo de uma multidão de brasileiros. Mas, no Brasil, não falta alimento. A cada ano, o País bete recordes de produção, dentre os quais, milho, soja, trigo, de cana de açúcar, de carne etc. O que então nos falta? Falta-nos converter-nos ao Evangelho, olhar com sinceridade as necessidades do outro, aprender a repartir para que ninguém fique com fome, edificar aqui o Reino de Deus que buscamos e que se realizará em plenitude na eternidade.

Viver com fome, a ponto de perder a própria dignidade, arrastar-se pela rua, revirar o lixo e morrer de fome não é algo natural ou desejado por Deus. No Brasil, a fome não é simplesmente um problema ocasional, é um fenômeno social e coletivo, estrutural, produzido e reproduzido no curso ordinário da sociedade, que normatiza e naturaliza a desigualdade, é um projeto de manutenção da miséria em vista da perpetuação no poder. Já afirmava a nossa escritora Carolina Maria de Jesus: “quem inventou a fome são os que comem”.

A Fome não foi criada, mas radicalizada pela pandemia da COVID-19, que enfrentamos desde março de 2020 e que, com certeza, marcará todas as nações nesta década. A fome no Brasil é um escândalo! Um escândalo de proporções inimagináveis. Em nosso país, há 125,2 milhões de brasileiros que nunca sabem quando terão a próxima refeição. Tudo começa com um ato de ver. É preciso fazer como Jesus: ‘levantar os olhos e ver’ a realidade da fome no Brasil. 

Pe. João Bosco Vieira Leite