3º Domingo da Quaresma – Ano A

(Ex 17,3-7; Sl 94[95]; Rm 5,1-2.5-8; Jo 4,5-42)

1. Esse encontro de Jesus, à margem de um poço, traz a marca do cotidiano. Nada foi programado. Tudo acontece num modo espontâneo e ao mesmo tempo surpreendente. Jesus para por um momento, não tem a intenção de converter ninguém, apenas está cansado, sob um sol forte, tem fome e sede.

2. A mulher chega até o poço, não porque foi informada da passagem de um famoso ‘mestre’ da Galileia, mas porque precisa de água. Seu problema é água e não os pecados. O único insólito aqui é o horário. Meio dia, no Oriente Médio, um calor insuportável. As pessoas preferem estar em casa.

3. Mas no desenrolar da narrativa percebemos que sua ida ao poço nesse horário é estratégico. Quer evitar a maledicência dos que reprovam seu estilo de vida. Vejamos um pouco mais de perto os protagonistas desse encontro.

4. Primeiro está Jesus, que não hesita em infringir as barreiras e romper certos esquemas codificados em séculos de discriminação. Se já não era recomendável a um mestre interpelar uma mulher na rua, e particularmente aquela, ainda mais discutir teologia e responder às suas perguntas. Seu comportamento é escandaloso para seus contemporâneos.

5. Paradoxal é o fato de que ele, portador do dom da ‘água viva’, aquela que extingue para sempre a sede, comece seu diálogo pedindo água àquela mulher, que se finge surpresa. E aqui nos damos conta que Cristo, antes de nos conceder seu dom, está sempre nos pedindo algo. Nos pede um distanciamento, uma privação, um sacrifício, uma renúncia.

6. Ele se faz de mendicante, como se jogasse conosco. E se nos mostramos avarentos, demasiados presos às nossas coisas, calculadores na oferta, nos privamos dos seus maiores dons...

7. Já a mulher demonstra certa esperteza, tem um certo conhecimento da questão teológica que separava hebreus e samaritanos. E logo intui que aquele encontro porta certo perigo. Aquele homem não é como os outros. E busca logo evadir-se, desviar o discurso para não chegar ao cerne da verdadeira questão.

8. Temos a impressão que durante o diálogo ela se sinta cerceada e tente de várias formas escapar desse cerco que a leva sempre mais próxima. Percebendo sua estratégia, Jesus chega ao verdadeiro problema: ela não tem marido. A questão verdadeira não diz respeito sobre o onde adorar a Deus.

9. Quantas vezes nós não embarcamos em discussões acaloradas e intermináveis sobre temas atuais, somente para não enfrentar as questões verdadeiramente desafiadoras? Jesus barra seu passo, para evitar sua fuga. Ela não sabe mais para onde ir e tenta escapar falando da vinda do Messias. Dá razão a Jesus, mas parece esperar um outro.

10. Ela se dá conta que deve mudar seu estilo de vida, mas prefere deixar para depois. Esperar condições mais favoráveis. E para bloquear sua tentativa de fuga, Jesus se revela como o Messias esperado. Ele mesmo, que sabe esperar, que não tem pressa, mas quando surge o momento oportuno, não suporta hesitações.

11. Numa última imagem, ela deixa o vaso e corre a falar aos conhecidos sobre seu encontro, num testemunho bastante simples, insinuando uma dúvida, como quem solicita que cada um coloque-se a caminho. Não pretende convencer ninguém. Os discípulos chegam com o alimento, mas Jesus não o deseja mais. Um vaso fica abandonado.

12. E assim temos esses sinais inconfundíveis do encontro que não deixa as coisas como estavam. Aquela mulher que percebera onde ia dar aquela conversa, agora se coloca a conjugar, até as últimas consequenciais, o verbo mudar. Um verbo incômodo, que nos obriga a deixar coisas que antes achávamos essenciais, e dar-se conta do que até então deixamos de lado. Um verbo exigente, que ama a companhia de um advérbio: ‘agora’, já.


3º Domingo da Quaresma - Campanha da Fraternidade 2023 – Texto Base

A fome é um instinto natural e poderoso de sobrevivência presente em todos os seres vivos, é um presente do Criador para a preservação da vida. “É um fenômeno biológico que aciona uma sensação passageira de desconforto, um sinal breve do corpo, que indica a hora de comer” (Ação da Cidadania. Agenda Betinho 2022, p. 19). Toda criatura tem necessidade de alimentar-se para proporcionar seu próprio desenvolvimento e para manter-se viva o maior tempo possível. Isso vale também para o ser humano, sempre empenhado com a necessidade básica do alimento. Em nossos dias, para muitas populações pobres, a questão alimentar assume aspectos dramáticos, devido a imensas catástrofes naturais, e, sobretudo, devido a violências e desigualdades implantadas por prepotentes” (Pontifícia Comissão Bíblica. O que é o homem? Um itinerário de Antropologia Bíblica. Brasília: Edições CNBB, 2022, n. 76). Na sociedade humana, a fome é uma tragédia, um escândalo, é a negação da própria existência. “Na verdade, o alimento para o ser humano não constitui somente uma necessidade natural, mas representa ainda um fator cultural, porque é veículo de relações entre pessoas, é um princípio de aliança e de comunhão” (ibidem, n. 77).

Afirmou o Papa Francisco, nas comemorações dos 75 anos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO): “Para a humanidade, a fome não é só uma tragédia, mas também uma vergonha. Em grande parte, é provocada por uma distribuição desigual dos frutos da terra, à qual se acrescentam a falta de investimentos no setor agrícola, as consequências das mudanças climáticas e o aumento dos conflitos em várias regiões do planeta. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Diante desta realidade, não podemos permanecer insensíveis ou paralisados. Somos todos responsáveis”

Pe. João Bosco Vieira Leite