(Gn
22,1-2.9-13.15-18; Sl 115[116B]; Rm 8,31-34; Mc 9,2-10).
1. O segundo domingo da quaresma, em
seus três ciclos, nos relata a Transfiguração do Senhor. Foi um dado de fé de
grande relevância na cristandade primitiva e de profundo enraizamento na Igreja
Oriental. Este episódio é também celebrado no dia 6 de agosto, como festa em
nosso calendário litúrgico.
2. O que temos nessa narrativa é uma
antecipação do mistério de Cristo, uma epifania do Messias oculto. Aqui se
antecipa o triunfo da ressurreição de Jesus, e isso se dá logo após o anúncio
de sua suprema humilhação em Jerusalém, para onde caminha.
3. Jesus, além de homem mortal, é o
Filho imortal de Deus, o Messias anunciado pelo Antigo Testamento na Lei e nos
profetas, representados por Moisés e Elias. O esplendor da divindade penetra e
transfigura sua humanidade para permitir a revelação do Filho amado do Pai,
pré-anunciando sua Exaltação final.
4. Mas o tema principal, nessa
preparação que fazemos para a renovação do nosso batismo é o da fé, como já
podemos apreender na 1ª leitura sobre o sacrifício de Abraão em sua prova de
fé. Recordemos que Isaac era filho único, da sua velhice e da promessa divina,
que agora é pedido em sacrifício.
5. Essa suprema prova de fé, confiança
e obediência que deve enfrentar, pois com tal pedido, Deus parece romper sua
palavra e fecha para Abraão toda esperança para o futuro. Mesmo assim se
encaminha ao monte indicado com filho, que carrega, sem o saber, a lenha para
seu próprio holocausto. O restante a gente conhece pela narrativa.
6. É justamente por sua obediência que
Deus renova sua promessa: uma descendência numerosa, terra em possessão e
bênção para o seu povo e todas as nações da terra. É bom lembrar que nessa
narrativa não está ausente a condenação por Deus dos sacrifícios humanos à
divindade, como faziam os povos vizinhos.
7. Isaac é considerado pela tradição
eclesial como o tipo do sacrifício de Cristo. Carregando sua cruz Jesus subiu
também ao monte para o seu holocausto redentor em obediência ao Pai e por amor
a humanidade. É nessa prova de que Deus está conosco que Paulo nos convida à
confiança plena na ação salvadora de Deus.
8. Assim como fez com Abraão e com o
próprio Filho, e Cristo com seus discípulos, Deus prova a nossa fé. A provação
é um sinal da predileção e amizade de Deus. “Eu trato assim meus amigos”, disse
certa ocasião o Senhor a Santa Tereza d’Ávila. ‘Por isso é que o Senhor tem tão
poucos!”, respondeu ela gracejando.
9. As provações de qualidade são às
vezes muito duras, como no caso de Abraão e de Jesus. Mas ordinariamente a
provação do Senhor para nossa fé é a fidelidade cotidiana. Às vezes ronda perto
de nós a tentação do desalento, invade-nos o próprio cansaço ou a desilusão,
como aconteceu aos apóstolos ao saberem da Cruz de Jesus...
10. Assalta-nos a dúvida de se,
renunciando ao estilo atrativo da vida mundana que hoje renunciamos, não
estamos sendo logrados e perdendo o nosso tempo em seguir a Cristo.
Necessitamos, então experimentar a proximidade de Deus na oração como fez
Jesus, a glória vem depois da cruz, mas nesta já se antecipa o triunfo.
11. Vivemos num mundo profundamente
marcado pela busca de segurança, proliferam os seguros sociais e privados,
virando quase uma obsessão nos países desenvolvidos. Uma certa garantia de
segurança é razoável; mas se se converter em valor absoluto, obsessivo e psicótico,
cria-se um sedentarismo como pavor diante de uma mudança, o ódio a tudo que é
novo. E isso pode se dá em vários setores da nossa vida, até no religioso.
12. A fé e a religião não são uma
agência de seguro. A fé cristã consiste em depositar confiança e amizade, por
meio de Jesus, numa pessoa que é Deus, a quem aceitamos em nossa vida e cuja
palavra e honestidade nos confiamos plenamente. Tem seu ponto de aventura e
risco, obscuridade e salto no vazio.
13. Tudo isso pode ser paradoxal, mas
melhor que teorizar sobre a fé é ver um modelo concreto dela. Voltemos nosso
olhar para Abraão. Leiamos sua história, para entendermos o porquê de ser
chamado nosso pai na fé. Nossa fé cristã começa escutando a Jesus, como nos diz
o evangelho. Recolher-se para escutar, é como subir a montanha com Ele para
orar.
Pe. João Bosco Vieira Leite