(Ap 7,2-4.9-14; Sl 23/24; 1 Jo 3, 1-3; Mt 5, 1-12a)
1. Toda a nossa celebração gira em torno do reconhecimento e
exaltação da santidade de Deus. Nós a afirmamos explicitamente no canto do
glória e do santo durante a oração eucarística. A santidade de Deus é a
consciência de que ele está acima desse mundo perecível e efêmero em que
vivemos. Ele é o totalmente Outro.
2. Talvez por isso, num dado momento da nossa história, sem
termos ainda assimilado o Deus amoroso revelado por Jesus, mas o Deus temeroso
do AT, nossa relação com Ele passou a ser feita pelo mecanismo intercessor de
homens e mulher que se destacaram na caminhada fé, a quem passamos a chamar de
santos e santas.
3. O desejo de Deus que habita em nós, nos obriga a
elevar-nos, a buscarmos uma comunhão sempre maior. Sim, Deus é o santo por
excelência, mas sua santidade nos é comunicada. O próprio Jesus nos recomenda a
busca de um caminho de perfeição: sede perfeitos, como vosso Pai celeste é
perfeito. Nesse caminho só Ele mesmo nos pode guiar.
4. Podemos dizer que Paulo popularizou o uso de termo “santo”.
Ao se dirigir aos cristãos que em suas comunidades tentavam responder ao
chamado de Cristo em sua vida, ele os chamava de santos. Para eles não soava
estranho, pois a santidade era vista como uma vocação, uma resposta, um
elevar-se em Cristo para encontrar o sentido da própria vida.
5. A nossa liturgia nos oferece primeiramente esse olhar do
livro do Apocalipse sobre o mistério de nossa existência marcada por tantos
fatos estranhos e até absurdos e do sofrimento que tudo isso gerou. Um dia, diz
ele, seremos reunidos a uma grande assembleia, em vestes brancas da alegria e
palmas de vitória, ouviremos do próprio Deus o significado dessa trama que vai
tecendo a história humana.
6. Mas o primeiro elemento que deve dar um significado a
nossa existência, e deve ser o motivador de nossa busca, é o fato de
conhecermo-nos como filhos de Deus. O mundo não nos conhece, diz o autor,
porque desconhece o seu criador e ignora o seu chamado por trás de toda criação
e da palavra que a nos foi dirigida pelo próprio Jesus.
7. Dessa palavra que nos foi dirigida por Cristo, a liturgia
nos reserva as bem-aventuranças. E ele, simbolicamente, as pronuncia de um
lugar alto; não há como entendê-la se não fazemos o esforço de elevar-nos um
pouco além dessa realidade que nos cerca. Descobrir o querer de Deus exige de
nós um olhar que saiba transcender a nossa dura realidade.
8. A primeira bem aventurança diz respeito aos bens materiais,
numa clara recomendação a não prender a eles o coração, a fazer bom uso do que
nos foi confiado. A mansidão é uma outra palavra para o convite a não fazer uso
da violência, a ser paciente, tolerante; o que não significa deixarmos de
expressar o nosso próprio pensamento.
9. A sede e fome de justiça de Deus não estão caracterizadas
pelo sistema de punição de nossa sociedade, mas pelo desejo de mudança nas
relações. O Santo padre nos convida a meditar sobre a misericórdia no próximo
ano litúrgico, a descobrir que mais que um sentimento de piedade é uma ação em
favor de quem tem necessidade de ajuda.
10. A pureza de coração tem como objetivo viver a partir da
ética de Deus, procurando a integridade e ao mesmo tempo não ter um coração
dividido entre Deus e algum tipo de idolatria.
Os pacíficos são filhos de Deus, pois em meio aos conflitos
existenciais, busca o diálogo, a concórdia e a paz.
11. Por fim, quem disse que tentar viver dessa forma não nos
fará vítima da incompreensão ou perseguição por parte dos que enxergam tão
somente essa existência como um fim em si mesma? Homens e mulheres viveram e
vivem aspectos diferentes da santidade que tem sua origem plena em Deus, e com
muito esforço buscam a superação dos limites estreitos dessa existência
construindo um mundo melhor para si e para os outros, mesmo consciente de estar
aqui de passagem, mas quem disse que o céu que buscamos não passa pela trama da
vida que estamos tecendo?
Pe. João Bosco Vieira Leite