(Is 60,1-6; Sl 71[72]; Ef 3,2-3.5-6; Mt 2,1-12)*
1.
Podemos recolher dessa narrativa, que é uma mescla de história, teologia e
simbolismo, alguma coisa prática para a nossa vida. Como toda a Bíblia, esta
página também foi escrita para o nosso ensinamento.
2.
É perceptível na narrativa três reações diversas ao anúncio do nascimento de
Jesus: aquela dos magos, a de Herodes e dos sacerdotes. Comecemos por Herodes.
Ele fica perturbado com a notícia e convoca os sábios da corte, não para
conhecer a verdade, mas para corrigir um possível engano.
3.
Essa intenção se manifesta ao pedir aos magos que retornem com notícias,
transformando-os numa espécie de espiões. Herodes representa a pessoa que já
fez sua escolha. Entre a vontade de Deus e a sua, ele claramente escolheu a
sua.
4.
Não se trata de verificar alguma espécie de ódio de Deus ou coisa parecida. Ele
não vê vantagem e decidiu eliminar qualquer coisa que perturbasse o estado das
coisas. Ele chega àquele estado definido por Sto. Agostinho: “O amor a si que é
o leva até ao desprezo de Deus”. Pensa ser seu dever agir assim para o bem de
todos.
5.
Nosso mundo segue repleto de ‘Herodes’. Não tem manifestação de Deus que baste.
São como cegos; não veem nem querem ver. Só um milagre da graça, e para nossa
sorte esses ainda ocorrem, para destruir essa couraça de egoísmo.
6.
A reação dos sacerdotes e mestres da Lei é estranha, pois sabem exatamente onde
este deve nascer; podem até dar as indicações necessárias de como chegar, mas
eles mesmos não se movem. Como placas sinalizadoras na estrada.
7.
Essa atitude também simboliza algo muito presente entre nós, sabemos o que
significa seguir Jesus, podemos até explicar detalhes aos outros, mas nos falta
a coragem e a radicalidade de colocar tal seguimento em prática. E isso não diz
respeito somente a nós sacerdotes, mas a todos nós batizados. Sabemos onde
Jesus se encontra: nos pobres, nos humildes, nos sofredores..., mas nem sempre
vamos lá.
8.
Por fim temos os magos, os protagonistas da festa. Eles não nos ensinam com as
palavras, mas com os fatos, não com aquilo que dizem, mas com o que fazem.
9.
Deus se revela a eles, como sempre o faz, a partir da sua experiência,
utilizando os meios que estes têm à disposição: prescrutando os céus, não têm
dúvidas, e colocam-se a caminho; deixam suas seguranças e partem com uma
simples afirmação, como se não tivessem feito nada de extraordinário: “Vimos
sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo”.
10.
Vimos e viemos; são as lições que nos deixam. Se tivessem calculado os perigos
e as dúvidas da viagem, teriam perdido a determinação inicial e se perdido em
vãs e estéreis considerações. Agiram rápido. Este é o segredo quando se recebe
uma inspiração de Deus. Como Abraão, partiram sem saber exatamente onde iriam
chegar.
11.
Os magos deixam claro que vieram para adorar. Para eles, adorar é tributar a
máxima honra possível, reconhecer em alguém a soberania absoluta. É a primeira
vez que esse verbo no Novo Testamento vem colocado em relação a Cristo: o
primeiro, implícito, mas claríssimo, reconhecimento da sua divindade.
12.
Podemos afirmar que em seu objetivo não são movidos pela curiosidade, mas pela
autêntica piedade. Não buscam aumentar o seu conhecimento, mas exprimir sua
devoção e submissão a Deus. A adoração é um sentimento religioso de
redescoberta da força e da beleza de Deus.
13.
Só a Deus nós adoramos, daí esse cuidado que devemos ter em nosso vocabulário
ao atribuir nossa admiração, reconhecimento, apreço e gosto, sejam por coisas
ou pessoas.
14.
Um último detalhe. Os magos após encontrarem a Cristo não voltam pelo mesmo
caminho. Mudando a vida, se muda a via. O encontro com Cristo deve determinar
uma mudança, seja de caminhos, seja de hábitos. Também nós não podemos voltar
para casa como viemos. A Palavra do Senhor deve mudar alguma coisa dentro de
nós, que nos ajude a rever o nosso pensar e o nosso agir.
15.
Herodes, os sacerdotes, os magos. Com quem queremos assemelhar a nossa vida ou
ela se assemelha? Ver o Menino, sentir uma grande alegria, voltar por outro
caminho. São propostas contínuas que a Palavra de Deus nos faz sempre.
*Com base em reflexão de
Raniero Cantalamessa
Pe.
João Bosco Vieira Leite