Sagrada Família – Ano C

(Eclo 3,3-7.14-17; Sl 127[128]; Cl 3,12-21; Lc 2,41-52) * 

1. O domingo depois do Natal nos leva ao encontro da Sagrada Família e nesse ano nos traz o episódio da perda e reencontro do menino Jesus entre os doutores no Templo. E tudo se conclui com esse ato de obediência de Jesus e dessa busca da Virgem de entender tudo isso.

2. A intenção da Igreja é sempre propor a Sagrada Família como um modelo e uma fonte de inspiração para todas as famílias humanas. É natural que nos perguntemos o que há em comum entre a família de Jesus e a nossa? Não seria um exagero esperar que correspondamos a esse modelo? Um casal que nem tinha vida sexual ativa?  

3. Já há um certo tempo as estatísticas nos apontam o aumento das separações e o mais inquietante é o número alto entre os que apenas iniciaram a vida matrimonial! Como entender tal situação?

4. Comentando esses dados, uma socióloga falava do ‘analfabetismo do amor’. Se crê que para casar basta a atração física e um entendimento sexual muitas vezes já provado. Todo o resto é deixado no vago, ou se pensa que virá por si. Comumente “a atração se conjuga com a superficialidade, o esquecimento, a traição, o costume à banalização do sexo que muito apressadamente deixa de lado a ternura, o encontro aprofundado entre duas pessoas, roubando o tempo do conhecimento recíproco, do silêncio, do olhar, dos projetos”.

5. A família de Nazaré é um apelo forte aos valores espirituais que comumente faltam aos jovens casais e que são indispensáveis para formar um matrimônio que resista ao tempo: conhecimento e estima recíproca, capacidade de sair de si mesmo, de cultivar projetos e ideias comuns, silêncio, oração!

6. Prestemos atenção ao modo como Maria aborda o menino após encontra-lo, parece um simples detalhe, mas revela algo importantíssimo: “Olha que teu pai e eu estávamos angustiados à tua procura...”. Maria e José formam um único sujeito. Maria não pensa somente em sua angústia, mas também naquela do marido, antes, coloca a dele em primeiro lugar.

7. Casar-se significa passar do singular ‘eu’ para o plural ‘nós’. Se não acontece esta mudança que confere uma nova identidade, a união será só superficial e instável. O matrimônio é mais que um pacto, uma coabitação, uma união de sexos. A Bíblia lembra que o objetivo da união é ser ‘uma só carne’.

8. Quantos casais nos deixam em dúvida sobre sua união quando só ouvimos: ‘eu, eu, eu’ e raramente ou nunca: ‘meu marido e eu; minha esposa e eu’. Ainda permanecem ‘indivíduos’, não se tornaram ainda ‘conjugal’. A palavra derivada de ‘jugo’, que pode ter uma conotação negativa, mas é preciso redescobrir a beleza desta imagem, não aplicada aos animais, mas de pessoas humanas que livremente se submeteram ao próprio jugo, da união de suas vontades e por isso mesmo deve ser ’um jugo suave e leve’ como nos diz Jesus de si mesmo.

9. Em algumas imagens da Sagrada Família, Maria se apoia no peito de José, talvez fazendo referência a figura masculina em que a mulher se coloca numa atitude de confiança e abandono. Esses novos tempos são críticos de tal atitude feminina.

10. Mas ignoramos uma coisa: o homem também tem necessidade, para ser forte, da confiança da mulher, tanto quanto a mulher precisa da força do homem para ser confiante. Nos nossos critérios distorcidos pelo pecado nós privilegiamos a força em detrimento da ternura.

11. Deus é sumamente força e sumamente ternura juntamente, sem que possamos dizer qual das duas qualidades é a mais importante. O que a Sagrada Família nos propõe não é um projeto fora da realidade.

12. Mas não obstante as crises familiares, um matrimônio “com a pessoa certa” continua a ser, para muitos jovens, o sonho de uma vida. Que estes não se envergonhem de seu sonho e como diz o pe. Zezinho: “Que bom que tens coragem de sonhar!”

*Com base em reflexão de Raniero Cantalamessa

Pe. João Bosco Vieira Leite