(Gn 3,9-15.20; Sl 97[98]; Ef 1,3-6.11-12; Lc 1,26-38)
1.
Na esteira dessa Palavra que acabamos de escutar, devemos perguntar-nos: o que
significa ‘Maria, a Imaculada’? Primeiramente a liturgia quer nos lembrar, como
ouvimos na 1ª leitura, que Deus não fracassou, como podia parecer já no início
da História com Adão e Eva, ou durante o período do Exílio babilônico, e como
novamente parecia no tempo de Maria, quando Israel se tornou definitivamente um
povo sem importância, numa região ocupada, com poucos sinais reconhecíveis de
santidade.
2.
Na humilde casa de Nazaré vive o Israel santo, o resto puro. Deus salvou e
salva seu povo. Do tronco abatido resplandece de novo a sua história,
tornando-se uma nova força que orienta e impregna o mundo. Maria é o Israel
santo; ela diz ‘sim’ ao Senhor. Coloca-se plenamente à sua disposição e assim
torna-se templo vivo de Deus.
3.
Tudo isso está nessa imagem difícil e obscura que nos deixa a 1ª leitura.
Prediz-se que durante toda a história continuará a luta entre o homem e a
serpente, ou seja, entre o homem e os poderes do mal e da morte.
4.
Mas também se diz que a ‘estirpe’ da mulher um dia vencerá e esmagará a cabeça
da serpente, da morte; pronuncia-se que a linhagem da mulher e nela a mulher e
a própria mãe vencerá e que assim, mediante o ser humano, Deus vencerá.
5.
De que se trata esse pecado original? Segundo o texto sagrado, é essa
desconfiança do ser humano de que Deus tira algo da sua vida, que Deus é
concorrente que limita a nossa liberdade e que nós só seremos plenamente seres
humanos, quando o tivermos posto de lado; em síntese, somente deste modo
podemos realizar na plenitude a nossa liberdade.
6.
A liberdade de um ser humano é a liberdade de um ser limitado e, portanto, ela
mesma é limitada. Só a podemos possuir como liberdade compartilhada, na
comunhão das liberdades: a liberdade pode desenvolver-se unicamente se vivermos
de modo justo uns com os outros, e uns para os outros.
7.
Essa história do princípio, é a história de todos os tempos, em que trazemos
dentro de nós uma gota do veneno daquele modo de pensar explicado nas imagens
do Livro do Gênesis. A esta gota de veneno, chamamos pecado original.
8.
Precisamente na festa da Imaculada Conceição manifesta-se em nós a suspeita de
que uma pessoa que não peque de modo algum, no fundo seja tediosa; que falte
algo na sua vida; pensamos que o mal no fundo seja bem, que dele temos
necessidade, pelo menos um pouco, para experimentar a plenitude do ser.
9.
Contudo, quando olhamos para o mundo à nossa volta, podemos ver que não é
assim, ou seja, que o mal envenena sempre, que não eleva o ser humano, mas
abaixa e humilha, que não enobrece, que não o torna mais puro nem mais rico,
mas o prejudica e faz com que se torne menor.
10.
No dia da Imaculada, aprendemos que aquele que se abandona totalmente nas mãos
de Deus não se torna um fantoche de Deus, ele não perde sua liberdade. Somente
quem confia em Deus totalmente encontra a verdadeira liberdade, a grande e
criativa vastidão da liberdade do bem.
11.
Quanto mais próximo de Deus está o ser humano, tanto mais próximo estará dos
outros. Vemo-lo em Maria. O fato de Ela estar totalmente junto de Deus é a
razão pela qual se encontra também próxima de nós.
12.
Por isso, pode ser a Mãe de toda a consolação e de toda a ajuda, uma Mãe à
qual, em qualquer necessidade, todos podem dirigir-se na própria debilidade e
no próprio pecado, porque ela tudo compreende e para todos constitui a força
aberta da bondade criativa.
13.
Neste dia de festa, queremos agradecer ao Senhor o grande sinal da sua bondade,
que nos concedeu em Maria, sua Mãe e nossa Mãe. Queremos pedir-lhe que ponha
Maria no nosso caminho, como luz que nos ajuda a tornar-nos também nós luz e a
levar esta luz pelas noites da História. Amém!
Pe.
João Bosco Vieira Leite