Imaculada Conceição de Maria

(Gn 3,9-15.20; Ef 1,3-6.11-12; Lc 1,26-38) – 2017.

1. A Igreja faz uma pausa na preparação para o Natal para contemplar o “faça-se” de Maria como eco de um outro “faça-se” dito por Deus na inteira obra da Criação. É por isso que o autor da Carta aos Hebreus lembra que Aquele que se encarnou na nossa história, ao entrar nesse mundo diz: Eis que venho para fazer a Vossa vontade.

2. Há uma delicada harmonia que atravessa a nossa liturgia de hoje e nos convida a contemplar esse mistério daquela que recebe de Deus o singular privilégio da Conceição Imaculada da sua humanidade. Se grande é a nossa alegria em saber que o Verbo se fez carne e habitou entre nós, não é menos exultante ver na humanidade de Maria o que poderia ser e será a nossa.

3. Mas é preciso reconhecer a delicada situação em que nos metemos. Deus está sempre a nossa procura, Sua santidade nos assusta e nos escondemos, amedrontados. Nada pior do que esconder-se de si mesmo. O que nos liberta é reconhecermos e confessarmos humildemente as nossas culpas sem lançar sobre os outros nossos limites. E quando podemos, culpamos até a Deus.

4. Sem assumirmos as nossas culpas, não podemos corrigir os nossos erros e nem descobrir a realidade divina do perdão.  É como se negássemos os seus dons, a alegria, o amor e o perdão.

5. O autor do Gn ao falar da quebra dessa harmonia primeira quer nos lembra que em todo o tempo, o mal vence quando o homem se afasta de Deus. A resposta que damos ao mal não é apenas o bem, mas uma abertura aos outros, ao Santo, como fizeram Jesus e Maria. Fechar-se sobre si, na autossuficiência, na auto referência, abre espaço a desarmonia.

6. Assim Paulo nos lembra que em Jesus somos chamados a ser santos e irrepreensíveis aos olhos de Deus, em outras palavras, a nossa identidade de filhos, buscando caminhar em sua presença. Daqui brota também a consciência da fraternidade humana que rompe a crosta do egoísmo e da dureza de coração que criou a harmonia nas comunidades primitivas embaladas pela Palavra do Verbo.

7. Assim somos convidados a contemplar a Maria, que visitada por Deus, não foge, não se esconde, não O esconde de sua vida. Sabemos de sua consagração desde sempre e assim compreendemos que quem se expõe a Deus, expõe o próprio Deus.

8. Ela vai ser Mãe, não de um filho, mas d’Aquele Filho desejado e esperado desde sempre. Totalmente de Deus em sua divindade, totalmente de Maria em Sua humanidade. Ela se alegra e com ela toda a humanidade, pois apesar de tudo, o Senhor está no meio de nós.

9. Assim, nesse quadro do nosso evangelho, talvez por isso atribuam a Lc a arte da pintura, percebemos como Deus se propõe, ele chama, mas não impõe. Assim como chamou Maria, chama também a cada um de nós. Podemos aceitar ou esconder-nos de Deus. “Deixar Deus entrar, ou fechar-lhe a porta. Maria aceitou, e, por isso, todas as gerações a proclamarão bem-aventurada (Lc 1,48). É o que estamos hoje e aqui a fazer: Feliz és tu, Maria, pioneira de um mundo novo, porque acreditaste em tudo quanto te foi dito da parte do Senhor (Lc 1,45)! Feliz também aquele que ouve a Palavra de Deus e a põe em prática (Lc 11,28)!” (D. António Couto – Quando Ele nos abre as Escrituras – Paulus). 

10. Vivemos esse tempo caracterizado pela fuga acentuada não só do ser humano de si mesmo e de Deus, também da nossa sociedade que O retira de sua vida pública. Faz-se escuro. “Homem desse tempo às escuras, engessado, triste, exilado, escondido, anestesiado, volta para a Luz, reentra em tua casa, no teu coração despedaçado. Há de seguramente por lá haver ainda, caída no fundo da alma, uma lágrima dorida e uma mão de Mãe à tua espera!” (D. António Couto – Quando Ele nos abre as Escrituras – Paulus). 


Pe. João Bosco Vieira Leite