(Sb 3,1-9; Sl 41[42]; Mt
5,1-12a)
1. A celebração em memória dos fiéis defuntos traz sempre à tona a
pergunta angustiante que gira em torno do além. Esta pequena palavra nos
persegue. Passando a figura deste mundo, quer na sua totalidade universal, quer
na experiência de cada um de nós, que acontece?
2. As nossas curiosidades sobre o além escapam das ciências.
Desdobram-se de suas margens estreitas. Recorre-se facilmente ao mundo das
revelações, do mito, do contato mediúnico, conhecimentos esotéricos,
quiromancias etc.
3. A Igreja nos convida nesse dia a parar e reavivar em nós a
palavra serena, carregada de esperança, verdade e beleza, do cristianismo sobre
as últimas e definitivas realidades.
4. Os judeus já traziam em sua fé a crença na ressurreição que vai
evoluindo no pensamento bíblico. Esse texto do livro da Sabedoria contrapõe a
visão do não crente àquele que crê. Assim, aquele que busca viver na presença
de Deus, nas circunstâncias da vida, é provado, ainda que para os outros pareça
uma desgraça.
5. A morte não é o último acontecimento da vida, mas abre um
entreato para a nova e definitiva situação. O que o autor apresenta como uma
continuidade profundamente enriquecida. Tudo isso é resultado de uma profunda
confiança em Deus e numa relação de mútuo amor, expressa o autor ao final do
seu texto.
6. Para além de um simples processo de ir morrendo lentamente, a
vida é mais rica e complexa. E por isso mesmo, a morte é assustadora e
enigmática. Reclama imagem poética, simbólica e religiosa. Uma linguagem que
vele pelo seu mistério. Mistério inesgotável da vida.
7. Assim o salmista usa uma imagem de inigualável beleza ao
descrever sua saudade de Deus. Para o homem que tem tais sentimentos ao falar
do seu relacionamento com Deus, a fé é função vital mais elementar. Deus é
realmente o Deus da vida.
8. Esta humanidade restaurada, a partir da visão de João, não sem
que uma luta se dê, se apresenta como um matrimônio e ao final como uma herança
feita por merecer. A liturgia faz nesse texto uma combinação entre aquilo que
todo judeu esperava de Deus como consequência de viver a justiça divina,
combinando a imagem de matrimônio entre Cristo e a humanidade, como resposta a
essa sede que todos nós carregamos de plenitude que somente Deus pode oferecer.
9. Assim, o último texto que nos é oferecido no evangelho nos fala
das bem-aventuranças. Jesus apresenta uma felicidade em andar nessa vida, mesmo
em meio as contradições. Pois Deus não abandona aqueles que sofrem ou são perseguidos,
mas solidariza-se com eles, até o extremo do seu amor misericordioso.
10. Assim, pela fé, podemos compreender que com Cristo, Deus não está longe
de nós, e que o humano não se opõe ou é inferior ao divino. Que por Cristo, toda luta e
entrega, por amor, ganha seu sentido e solidariedade na cruz. E que em Cristo todos somos resgatados da morte, de
todo tipo de morte. Assim como Deus assumiu a paixão do mundo na paixão de
Cristo, em sua ressurreição temos a pré-figuração da promessa de nossa
ressurreição e da ressurreição do mundo: “Eis que faço nova todas as coisas”.
Um
verso de Adélia Prado para fechar nossa reflexão: “É difícil morrer com vida, é
difícil entender a vida, não amar a vida, impossível. Infinita vida que para
continuar desparece e toma outra forma e rebrota, árvore podada se abrindo, a
raiz mergulhada em Deus”.
Pe.
João Bosco Vieira Leite