(Ml 3,19-20; Sl 97[98]; 2Ts 3,7-12; Lc 21,5-19) *
1. Caminhando para o final de mais um ciclo litúrgico, o Evangelho sempre traz algum discurso sobre o fim do mundo. Dentro dessa linha de reflexão, a 2ª leitura nos comunica um fato sobre a comunidade de Tessalônica. Alguns, tiravam do discurso de Jesus uma conclusão errada.
2. Consideravam inútil preocupar-se, trabalhar ou mesmo produzir, pois tudo estava por passar ou terminar; melhor viver dia após dia, sem assumir compromissos longos, quem sabe recorrer ao mínimo para sobreviver. É a esta classe de gente que Paulo escreve e daqui encaminhamos nossa reflexão.
3. Paulo inicia a sua exortação a partir do seu próprio exemplo, pois sempre trabalhou para seu próprio sustento, era fabricante de tendas, e com seu trabalho pôde ajudar outras pessoas necessitadas. Era uma novidade o seu estilo de vida para uma época que desprezava o trabalho manual (algo de escravos).
4. Mas Paulo traz consigo uma cultura bíblica, de um Deus que trabalha, descansa e estabelece assim a lei do trabalho, não como castigo, mas parte da natureza original do ser humano. O próprio Jesus dedicou parte de sua vida entre nós ao trabalho manual e depois ao trabalho que o próprio Deus lhe confiou.
5. Assim compreendemos que o trabalho de um modo geral e em seus aspectos particulares, não compreende só a sobrevivência do indivíduo ou mesmo a sustentação de um lar; ele vale como participação à obra criadora e redentora de Deus e como serviço aos irmãos. Nossas obras nos acompanham, quer as tenhamos feitas bem ou mal...
6. Uma vida de trabalho honesto e consciente é um bem precioso diante de Deus e dos demais. É o que confere a cada pessoa a sua dignidade. Não importa tanto em que área atua, o quanto ou como o faz. Isto restabelece uma certa paridade, aquém de todas as diferenças, muitas vezes injustas e escandalosas de categorias e remunerações.
7. Há outros aspectos que envolvem o trabalho: cansaço, esforço, conflitos, que nos ligam ao aspecto negativo e de castigo mencionado no Gênesis, consequência do pecado. Não só do pecado de Adão, mas o pecado em todas as suas formas, que deriva de uma única raiz: o egoísmo.
8. Dentre essas realidades negativas do trabalho, está a falta de trabalho, o desemprego, com todos os dramas que esse comporta. Ao avanço das tecnologias, novos desafios se apresentam, mesmo diminuindo o cansaço humano, novas realidades vão criando um problema enorme, cuja solução não vem na mesma velocidade.
9. Essa realidade diz respeito a todos e nos desafia na responsabilidade e solidariedade em apoiar reformas que diminuam o impacto das mudanças. Por outro lado, temos o excesso de trabalho por parte de alguns, que o transforma numa espécie de ídolo. Que ocupa todos os dias e espaços e que tem como objetivo único o dinheiro.
10. Há quem agindo assim subtraia a outros um espaço no mundo do trabalho. É do trabalho que deve depender a nossa vida e não de um golpe de sorte lotérico. Ainda que em sua maioria seja legítima forma de jogo, um modo de cultivar sonhos e emoções, essa pode tirar o esforço do trabalho legítimo e arruinar famílias, tornando-se uma obsessão ou vício.
11. Aqui na Eucaristia, o momento de máxima exaltação do trabalho é quando o sacerdote apresenta a Deus o pão e o vinho, chamados de “fruto da terra e do trabalho humano”. E assim oferecemos a Deus todas as formas de trabalho humano; não só do agricultor, mas também da dona de casa que prepara o alimento cotidiano, daquele que está na cadeia de montagem, num escritório, numa mesa de trabalho ou na estrada. Ou em home-office.
12. Cristo assume este nosso trabalho, o associa à oferta redentora e nos restitui pouco depois, na comunhão, transformado em “alimento da vida eterna”. Concluo com uma oração da nossa Liturgia das Horas: “Ó Deus que atribui a cada um o seu trabalho e a justa recompensa, abençoa o nosso trabalho cotidiano e faz com que sirva ao teu desígnio de salvação”. Amém.
* Com base em texto de Raniero Cantalamessa
Pe. João Bosco Vieira Leite