Assunção de Nossa Senhora – Ano A

(Ap 11,19; 12,1.3-6.10; Sl 44[55]; 1 Cor 15,20-27; Lc 1,39-56) *

1. Em seu livro “A Cidade de Deus”, Santo Agostinho diz que a História humana é uma luta entre dois amores: o amor a Deus até a perda de si mesmo, até o dom de si próprio, e o amor a si mesmo até ao desprezo de Deus, até o ódio pelos outros. Uma luta entre o amor e o egoísmo. Algo que podemos retirar da 1ª leitura dessa celebração.

2. Aqui, estes dois amores aparecem em duas grandes figuras. Temos primeiramente o dragão, cor de fogo, símbolo do poder sem a Graça, sem o amor, do egoísmo absoluto, do terror, da violência. Para o autor ele personifica o poder dos imperadores romanos anticristãos, de Nero a Domiciano. Um poder que parece ilimitado.

3. Diante desse dragão, a fé, a Igreja, parecia-se com uma mulher inerme, sem possibilidade de sobreviver, e muito menos de vencer. E, no entanto, sabemos que no final venceu a mulher inerme, não venceu o egoísmo, nem o ódio, venceu o amor de Deus e o império romano abriu-se à fé cristã. 

4. As palavras da Sagrada Escritura transcendem sempre o momento histórico. Assim, a imagem do dragão é símbolo das ditaduras anticristãs de todos os tempos. Assim como foi com o nazismo e a ditatura de Stalin. Parecia impossível a fé sobreviver diante deste dragão forte que queria devorar o Deus que se fez Menino, e a mulher, a Igreja. Mas na realidade, também, neste caso no final o amor foi mais forte que o ódio.

5. Também hoje existe o dragão de modos novos, diversos. Existe a ideologia materialista que considera absurdo ocupar-se de Deus. É algo passado. Só valem o consumo, o egoísmo e a diversão. E mais uma vez parece impossível opor-se a essa mentalidade predominante, com toda sua força midiática e propagandista. Mas é verdade também que Deus é mais forte que o dragão, que vence o amor e não o egoísmo.

6. Mas no contexto da nossa celebração é uma outra imagem que nos interessa: a mulher revestida de sol, tendo a lua aos pés. Circundada de doze estrelas. Também esta imagem é multidimensional. Um primeiro significado, sem dúvida, é que é a Virgem Maria, totalmente revestida de sol, ou seja, de Deus; ela vive totalmente em Deus, circundada e penetrada pela luz de Deus.

7. As doze estrelas simbolizam as tribos de Israel, e assim, por todo o povo de Deus, por toda a comunhão dos santos, tendo aos pés a lua, imagem da morte e da imortalidade. Maria deixou atrás de si a morte, está totalmente revestida de vida, elevada à glória dos céus, diz-nos: ânimo, no fim vence o amor.

8. Sua vida de serva de Deus consistia no dom de si mesma, por Deus e pelo próximo. E agora esta vida de serviço chega à verdadeira vida. É o mistério que celebramos. Assim somos chamados a ter confiança e a ter coragem de viver assim também nós, contra todas as ameaças do dragão.

9. A outra imagem da mulher que sofre, que deve fugir, que dá à luz com um brado de dor, é também a Igreja, a Igreja peregrina de todos os tempos. Em todas as gerações, ela deve dar de novo à luz Cristo, leva-lo ao mundo com grande dor. 

10. Em todos os tempos a Igreja, povo de Deus, vive também da luz de Deus. Em toda a tribulação, em todas as diversas situações da Igreja ao longo dos tempos, nas diversas regiões do mundo, sofrendo, vence. E é a presença, a garantia do amor de Deus contra todas as ideologias do ódio e do egoísmo. Ainda que Ele nos pareça frágil como uma criança.

11. A festa da Assunção é o convite a ter confiança em Deus, e é também um convite a imitar Maria naquilo que Ela mesma disse: eu sou a serva do Senhor, e ponho-me a disposição do Senhor. Esta é a lição: percorrer o seu caminho; dar a nossa vida e não tomar a vida. Perder-nos para encontrarmos verdadeiramente a nós mesmos, a verdadeira vida.

12. A fé aparentemente frágil e a verdadeira força do mundo. O amor é mais forte que o ódio. E digamos com Isabel: bendita sois vós entre as mulheres. Pedimos-te juntamente com toda a Igreja: Santa Maria, orai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte! Amém.  

* Pontos retirados da homilia de Bento XVI em agosto de 2007. 

Pe. João Bosco Vieira Leite