(1Rs 19,9.11-13; Sl 84[85]; Rm 9,1-5; Mt 14,22-33)
1.
A cena evangélica que acabamos de escutar se dá logo após a multiplicação dos
pães. Longe de se entreter com os louros daquele episódio, por assim dizer, ‘grandioso’,
Jesus pede aos discípulos que entrem na barca e o encontre na outra margem do
lago. Enquanto ele mesmo despedia a multidão.
2.
Jesus se retira para rezar. Cai a noite. Sobre o lago desponta forte ventania e
a barca dos apóstolos se agita entre as ondas que se formam. Jesus vai ao
encontro deles caminhando sobre as águas. Querendo ter a certeza de que é
Jesus, Pedro pede para ir ao seu encontro caminhando sobre as águas. Jesus o
convida. Ele desce da barca e vai em sua direção caminhando sobre as águas.
3.
O que vai no coração e na mente de Pedro nesse momento nós não sabemos, mas ao
sentir o forte vento, ele começa a sentir medo e a afundar. Prontamente ele
pede a Jesus que o salve. Jesus o salva e repreende a sua falta de fé. Diante
de tudo aquilo os demais confessam sua fé em Jesus como filho de Deus.
4.
Este é o fato. Mas os fatos do evangelho não foram escritos para serem
recontados, mas para serem revividos. Cada vez que o escutamos somos convidados
a entrar no mesmo e passarmos de mero expectador, a ator. Tomar parte da cena.
Essa é a diferença entre o Evangelho e os outros livros. O evangelho é um livro
vivo.
5.
A própria Igreja em seus primórdios se vê a partir dessa narrativa. Quando
Mateus escreveu o seu evangelho, a Igreja já avançava “mar adentro” na história
e Jesus já havia subido aos céus, e aqui entendemos esse subir ao monte para
rezar. Ele continuava a interceder pelos seus nesse difícil navegar pelo mundo
com todas as oposições enfrentadas.
6.
Lendo esse evangelho as comunidades sabiam que Jesus não era distante e
ausente, que se podia contar com ele. Que ele os convidada a caminhar sobre as
águas, isto é, avançar entre as dificuldades apoiando-se na fé.
7.
Dito assim parece muito simples, mas nunca o foi. Por vezes fazia-se escuro.
Perguntavam-se se tudo aquilo que haviam visto e acreditado sobre Jesus não
seria uma ilusão. Mas a experiência e o testemunho de Pedro que culminará em
seu martírio para testemunhar que Jesus era verdadeiramente o filho de Deus,
ajudou-os a enfrentar esses momentos de dúvida.
8.
Nós também somos convidados a aplicar em nossa vida esse quadro que
contemplamos. Quantas vezes a nossa vida não se assemelha a essa barca “agitada
pelos ventos contrários”? A barca em dificuldade pode ser o próprio matrimônio,
as obrigações da vida, a saúde… O “vento contrário” pode ser a hostilidade e
incompreensões das pessoas, a dificuldade de encontrar um emprego, certas
desventuras…
9.
Por um momento tivemos a coragem de enfrentar as dificuldades, sem esmorecer na
fé, caminhamos sobre as águas confiando em Deus, mas depois, a própria duração
das dificuldades nos dá a sensação de não poder mais, começamos a afundar.
Perdemos a coragem.
10.
É em momentos assim que recolhemos e sentimos como dirigida a nós a palavra que
Jesus dirigi a seus discípulos: coragem, sou eu, não tenhais medo. Quantas
vezes não dizemos uns aos outros: “coragem, verás que tudo terminará bem”,
mesmo também nós experimentando o medo. As nossas palavras não mudam as coisas,
são só palavras.
11.
É diferente quando o próprio Jesus nos diz “coragem”. Ele venceu o mundo, teve
coragem por nós. Por isso, não diz simplesmente coragem! Mas “coragem, sou
eu!”. Ele, o filho de Deus que conheceu a dor, a escuridão, a morte. Nos lábios
de Jesus coragem é uma palavra eficaz, que produz aquilo que significa, dá
aquilo que exige.
12.
Existem situações na vida, bem o sabemos, que humanamente falando, não resta
muito a fazer, poderemos apenas gritar como Pedro: “Senhor, salva-me”.
13.
Podemos concluir a nossa reflexão com esse texto de Is 40,29-31. Muitos
experimentaram a verdade destas palavras. Se somos um desses “cansados e
acabrunhados”, experimentemos esperar no Senhor com todas as forças e, quem
sabe, despontarão também em nós asas, como de águias. “Mas os que esperam no
Senhor...”
Pe.
João Bosco Vieira Leite