Ascensão do Senhor – Ano A

  (At 1,1-11; Sl 46[47]; Ef 1,17-23; Mt 28,16-20)

1. Lendo os textos dos evangelhos que tratam da Ascensão de Jesus, percebe-se uma aparente contradição nas orientações de Jesus aos seus discípulos. Enquanto no texto de hoje ele diz aos discípulos ‘ide’, Lucas registra uma outra orientação: os discípulos devem ‘permanecer’ em Jerusalém até receberem o Espírito Santo.

2. E assim Lucas registra essa permanência na cidade na 1ª leitura. Certamente Jesus deve tê-los enviados a proclamar Boa Nova, mas deve ter reavaliado os riscos da empreitada, podemos pensar assim, e estes esperaram a força do alto, pois sem o Espírito Santo, a mensagem poderia soar falsa, pouco credível.

3. Antes de iniciar sua missão, os apóstolos precisaram de um tempo de oração, contemplação. É preciso ‘ir’ e ao mesmo tempo ‘permanecer’. Um cristão sem um mínimo de vida de oração é alguém que anuncia a si mesmo.

4. Esse paradoxo de ‘permanecer e ir’ não é algo que diz respeito tão somente a existência individual. Isso deve caracterizar a vida da Igreja de toda comunidade cristã, de cada grupo. A vida cristã é, por essência, comunitária, mas é também comunicativa. Assim podemos entender a expressão do Papa Francisco ao falar-nos de uma Igreja em saída.

5. Sem essa saída, a Igreja não faria outra coisa senão girar em torno de si mesma: seus próprios problemas, seus direitos, suas coisas, seu próprio prestígio, etc. Pode faltar-lhe a vida, tornar-se tão somente um coágulo, ao invés de ser um fermento na massa, como pensava Jesus.

6. Uma comunidade fechada sobre si mesma se reduz a um gueto e termina por envolver-se em preocupações banais, e entrincheirar-se em atitude defensiva.

7. Há muito a existência cristã se encontra diante de um duplo risco. Perder-se num projeto com relação a Deus e ao transcendente, que deixa de fora quase todo o espaço de uma autêntica relação com os irmãos. Ou mesmo o oposto de consumar-se num ativismo frenético e obsessivo do que deve ‘fazer’.

8. Estes dois perigos opostos veem superados somente com uma visão completa e unitária da vida eclesial, onde o ‘permanecer’ é em função de uma precisa e dolorosa responsabilidade para com o outro. E ‘sair’ se torna a manifestação obrigatória daquilo que se possui em profundidade. Em resumo: ‘ser’. Mas também ‘ser para’.

9. Se nos preocupamos quase exclusivamente do nosso jardim pessoal ou do grupo, o mundo permanece um deserto. Uma Igreja precisa, diz um autor, de escadas para o Alto, sem a qual se torna vazia e será uma simples organização. Precisa de pontes que a liguem com as realidades em torno e com os outros.

10. Um Igreja que tenha escadas e pontes suficientes não é uma comunidade excepcional. É simplesmente uma comunidade que quer ser fiel Àquele que lhe assegurou: ‘Eu estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo’. Aquele que um dia ‘desceu’ até nós para convidar-nos a olhar para o alto, mas também nos exortou a não perder de vista essa terra... 

Pe. João Bosco Vieira Leite