5º Domingo da Páscoa – Ano A

 (At 6,1-7; Sl 32[33]; 1Pd 2,4-9; Jo 14,1-12)

1. O trecho que acabamos de escutar faz parte do ‘discurso de despedida’ ou ‘testamento de Jesus’. Os discípulos vêm jogados sem cerimônias diante de uma realidade inevitável: a partida já próxima do Mestre. O Verbo ‘vou’ retorna com cruel insistência, quase como que a varrer qualquer resíduo de ilusão.

2. Se fala de coração, casa, lugar, caminho.... Palavras que fazem parte do nosso vocabulário cotidiano. E que, na boca de Jesus, nos últimos instantes de sua vida terrena, assumem um significado particular.

3. O Mestre se preocupa em exorcizar dos próprios amigos o medo, imunizar os seus corações da ‘perturbação’. Para este fim, ele esclarece que a sua partida não é uma separação definitiva, algo irremediável. Se trata de um distanciamento que não determina uma ausência, um vazio, mas uma presença diferente, escondida.

4. Ele vai, mas para preceder. Para tomar posse de uma morada definitiva, de um lugar para eles. Ao final do discurso percebemos que ele não vai em direção a um lugar impreciso, mas a uma Pessoa: ‘Vou para o Pai’. Este é o ponto de chegada e não é inacessível aos discípulos. Através desse caminho que é Cristo, eles são encaminhados para a casa do Pai.

5. Jesus deixa claro que Deus não é um desconhecido. Já tiveram a possibilidade de contemplar o seu rosto: ‘Quem me vê, vê o Pai”. Poderíamos dizer que para combater a perturbação no coração dos discípulos, Jesus, mais que garantir o seu retorno, deixa uma espécie de fenda, um espaço luminoso por onde sempre poderão entrever, da morada terrestre, o ‘lugar’ onde está Jesus.

6. Há um autor que indica a ‘beleza’ como essa fenda que nos permite entrever o invisível. E belo não é somente aquilo que agrada, mais que ser uma festa para os olhos, o belo nutre o espírito e o ilumina. Dostoievski afirmava com segurança: ‘A beleza salvará o mundo’. Não sei quantas pessoas religiosas, hoje, concordariam com essa afirmação.

7. A beleza é um atributo, um Nome divino, mesmo que esquecido. No Gênesis, ao falar da sinfonia da Criação, ao fim de cada dia vem o refrão: ‘viu que era belo’ ou ‘bom’. Essa é a primeira beleza, degustada pelo ser humano. Na Bíblia há um termo que retorna com frequência para indicar Deus: sua glória. Trata-se, na realidade do esplendor da divindade, dessa irradiação luminosa da vida divina. 

8. Na Encarnação, reaparece a beleza de Deus sobre a terra. Ele não se faz apenas sentir. Se faz ver. Em Jesus ele toma um rosto, um ícone, como nos ensina a arte oriental: é possível conhecer Deus através da beleza. Em Jesus contemplamos esse rosto humano de Deus. À sua luz, toda a criação se torna um sacramento de Deus.

9. Nós temos a possibilidade de vislumbrar, contemplar, através do sensível, o invisível. Em Cristo, grande curador, restaurador da imagem original, o nosso rosto reencontra o esplendor da origem, a inocência da beleza primitiva. Na visão bíblica, a verdade e o belo, em simbiose viva, caracterizam a integralidade do ser e faz brotar a beleza.

10. Não consideramos aqui a beleza como aparência, um vão ornamento. Mas sim como manifestação do esplendor de Deus. Portanto, não fechemos essa fenda. Privando-nos desse ‘olhar’ sobre o outro mundo, aquele de Deus, não conseguiremos mais orientar-nos nesse mundo, que se tornaria tão somente hostil e insuportável. É para esse olhar que Jesus convida seus discípulos e a nós.

Pe. João Bosco Vieira Leite