6º Domingo da Páscoa – Ano A

 (At 8,5-8.14-17; Sl 65[66]; 1Pd 3,15-18; Jo 14,15-21)  

1. “Se me amais, guardareis os meus mandamentos”. Para entender essa expressão de Jesus que abre o nosso evangelho, é preciso evitar uma interpretação redutiva do termo ‘mandamento’. Não se trata somente de normas, leis, prescrições, proibições.

2. É necessário superar uma visão meramente legalística e jurídica, para atribuir ao termo ‘mandamento’ o sentido mais amplo de ‘ensinamentos’. Aqui se trata do ensinamento de Jesus em seu complexo. Não uma lista de rígidas disposições legislativas, mas uma mensagem. Não um código, mas um Evangelho.

3. É justamente esse evangelho que vem ‘acolhido’ como Palavra de Deus, e vai ‘observado’, ou seja, deve tornar-se princípio inspirador da conduta pessoal. Não numa ótica de medo, mas numa perspectiva de liberdade e de amor. O problema aqui não é sentir-se bem porque os próprios comportamentos resultam dentro da ‘regra’. É necessário entrar no dinamismo do amor.

4. Percebam a dinâmica da Palavra: ‘Se me amais, guardareis meus mandamentos’; ‘Quem acolhe os meus mandamentos e os observa, esse me ama’; ‘’Quem me ama será amado por meu Pai’. Por essas frases percebemos que a vida cristã não é uma obrigação que se leva, um peso que se sustenta, um jugo opressor.

5. Trata-se de um convite a inserir-se em uma comunhão de vida, uma lógica de amor. O cristão é, essencialmente, um que se sabe amado. A partir dessa consciência, a nossa resposta se traduz na observância não de mandamentos, mas de um único mandamento, aquele que resume todo o ensinamento de Jesus, que constitui a síntese do Evangelho: o amor a Deus e ao próximo.

6. No Novo Testamento, o amor a Deus vem indicado com o termo ‘ágape’. Cristo nos informa que o comportamento de Deus com relação ao ser humano, não é colocado sob o sinal da justiça distributiva, mas do ágape. Ou seja, não estamos no campo da retribuição, mas do amor que doa, que se dá. 

7. O amor divino é espontâneo, gratuito, isto é, sem motivo exterior, indiferente aos valores. É inútil buscar a causa do amor de Deus nas qualidades humanas. O motivo do amor de Deus reside exclusivamente em Deus. Ele ama porque a sua natureza é amor, e basta.

8. Cristo nos revela esse amor nessa sua busca pelos que estão perdidos, frequentando a casa de pecadores, uma conduta reprovada pela Lei da época, mas que revela um amor que não se deixa determinar pelo valor do objeto, mas somente pela natureza divina. O amor humano é ‘motivado’. O amor divino é sem motivo. É espontâneo, é grátis. Seria terrível para nós saber que Deus nos ama porque somos bons, e enquanto somos bons...

9. É o amor criativo, pois amando confere valor ao objeto do seu amor. Deus não me ama pelas minhas qualidades ou méritos. Eu me torno precioso porque Ele me ama. O ágape é princípio criativo de valores. Por isso é também um amor preferencial, cada um tem um valor absoluto.

10. O amor de Deus cria comunhão. O amor não se conforma com a separação, com a divisão. Não espera que se mova o outro. É Deus mesmo que após toda a infidelidade humana, toma a iniciativa e vem ao encontro do ser humano. Um amor assim sempre espera uma resposta da nossa parte.

11. Em sua 1ª Carta (4,11), João afirma que Deus nos ama e que por isso devemos amar-nos uns aos outros. Ele não diz que devemos amar a Deus porque Deus nos ama. A nossa resposta vai transferida para as nossas relações. Para o próximo. Podemos ter a ilusão de amar a Deus, de permanecer no abstrato, na zona vaga dos sentimentos, nos contentarmos com as palavras.

12. O único instrumento que pode medir a intensidade do nosso amor a Deus é justamente a caridade para com o outro. Instrumento de precisão. E não somente nós podemos controlar, mas os outros estão em constante verificação se amamos de fato a Deus. Se assim não fosse viveríamos na mentira. Acrescenta João em sua carta: ‘Se alguém diz que ama a Deus e odeia seu irmão, é um mentiroso’ (1Jo 4,19). 

13. Concluamos com outro trecho que João nos apresenta na 2ª Carta e que se refere ao nosso evangelho: “E agora, Senhora, eu te peço – não te escrevo com isso um mandamento novo, mas o que temos desde o começo –, amemo-nos uns aos outros; nisto consiste o amor: em caminharmos conforme seus mandamentos. Tal é o mandamento que escutastes desde o começo, para caminhardes nele” (2Jo 5-6).    


Pe. João Bosco Vieira Leite