(At 2,1-11; Sl 103[104]; 1Cor 12,3b-7.12-13; Jo 20,19-23)*
1.
As leituras da festa de Pentecostes nos permitem colher um aspecto fundamental
da ação do Paráclito: o Espírito Santo como criador, ou a potência criadora do
Espírito, como cantamos no salmo: “Enviai o vosso Espírito, Senhor, e da terra
toda face renovai”.
2.
O nosso evangelho salienta o gesto de Jesus que sopra sobre os apóstolos,
recordando o gesto criador de Deus ao soprar e dar vida ao ser humano. Cristo
está nos dizendo que o Espírito Santo é o sopro divino que dá vida à nova
criação, como fez no passado. Criar é uma prerrogativa divina.
3.
Proclamar que o Espírito Santo é criador, significa dizer que a sua esfera de
ação não está restrita só à Igreja, ainda que nela aja de modo diferenciado,
mas se estende, de diferentes maneiras, à toda criação. Nenhum tempo, nenhum
lugar, está excluído de sua benéfica ação.
4.
Ele age fora da Bíblia e dentro dela; age antes de Cristo, ao tempo de Cristo e
depois de Cristo, ainda que jamais separado d’Ele. Ninguém pode subtrair-se à
sua luz benéfica, como ninguém pode subtrair-se ao calor do sol.
5.
A coisa mais importante, a propósito da força criadora do Espírito Santo, não é
compreendê-lo ou explicar suas implicações, mas fazer a experiência. E o que
significa fazer a experiência do Espírito como criador? Para descobrir é
preciso voltar ao Gênesis.
6.
Lá se diz que a terra, criada por Deus, “era sem forma e vazia; as trevas
cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1,1-2). O
texto nos deixa perceber que à Sua presença, o criado assume seus contornos, a
luz separa-se das trevas, a terra firme do mar e tudo toma uma forma
definitiva.
7.
O Espírito Santo é aquele que faz passar o criado do caos ao cosmo, que faz
disso algo belo, ordenado, limpo: faz disso um “mundo”, segundo o significado
original dessa palavra. A ciência nos ensina que este processo durou milhares
de anos, mas o que a Bíblia quer nos dizer em sua linguagem simples e altamente
imaginativa, é que a lenta evolução para a vida e a ordem atual do mundo não
vem ao acaso, obedecendo a cegos impulsos da matéria, mas por um projeto,
colocado nela, desde o início, pelo Criador.
8.
E essa ação criadora de Deus não ficou restrita ao início. Ele não só conserva
a criação, mas governa com sua Providência o mundo, mas também no sentido que
sustenta e comunica continuamente ser e energia, impulsiona, anima e renova a
criação.
9.
Aplicado ao Espírito Santo, isto significa que é Ele que sempre faz passar do
caos ao cosmo, da desordem à ordem, da confusão à harmonia, da deformidade à
beleza, da velhice à juventude. Tudo isso, não de maneira mecânica e súbita,
mas agindo ao interno da mesma evolução natural das coisas e das espécies,
‘renovando a face da terra’.
10.
Tudo isso em todos os níveis: no macrocosmo e no microcosmo, no universo
inteiro como em cada ser humano em particular. Devemos crer que, não obstante
as aparências, o Espírito Santo opera no mundo e o faz progredir. Quantas
descobertas novas, não só no campo físico, mas também naquele moral e social.
11.
Certamente há nesse momento tanto caos em torno a nós: moral, político, social.
O mundo tem agora tanta necessidade do Espírito de Deus, por isso não devemos
cansar de invocá-lo com as palavras do salmo: “Envia teu Espírito Senhor, e da
terra toda face renovai”.
12.
Mas olhemos também esse pequeno mundo que é nosso coração com seus desejos,
projetos, propósitos, repleto de contrates e em luta entre eles, que faz de nós
um enigma a nós mesmos. Carregamos em nós um vestígio desse caos primordial. É
desse abismo que nosso espírito invoca ao Senhor, a fim de que crie, em mim,
novos céus e nova terra.
13.
Por isso, a cada dia, é importante iniciar a jornada com o Espírito Santo, para
que transforme o nosso caos noturno na luz da fé, da esperança e da caridade.
“Vinde Espírito Santo...”.
* com base em texto de Raniero
Cantalamessa
Pe.
João Bosco Vieira Leite