(At 12,1-11; Sl 33[34]; 2Tm 4,6-8.17-18; Mt
16,13-19)*
1.
A solenidade de hoje celebra Pedro e Paulo, as duas colunas da Igreja, mas o
acento recai sobre a figura de Pedro, é a ele que Jesus se dirige e afirma: “Tu
és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. Jesus diz a “minha”
Igreja, no singular, não “minhas” igrejas. Ele pensou, quis e fundou uma só
Igreja. Uma Igreja unida.
2.
Não veio fundar uma multiplicidade de igrejas independentes, pior, em
competição e luta entre elas. Vivemos uma época em que, graças a Deus, a
divisão entre as igrejas não é aceita com resignação, mas como um escândalo e
um pecado a ser superado.
3.
Sabemos que a autoridade do papa sobre toda a Igreja, tem por base esse
evangelho que escutamos. Alguns se perguntam se esse fato seria um obstáculo à
unidade entre os cristãos ou, de modo contrário, um serviço à unidade? Para nos
situarmos, é importante recordar alguns elementos do evangelho.
4.
Quando Jesus encontrou Pedro pela 1ª vez, já lhe mudou o nome de Simão
para Cefa (Jo 1,42), que quer dizer pedra, mas não
tendo um nome masculino para indicar rocha, esse virou Pedro. Pois bem, desde o
início, Jesus tem um projeto bem preciso para este discípulo, que vem revelado
no Evangelho de hoje.
5.
No Evangelho da missa da vigília, ouvimos Jesus ressuscitado conferir a Pedro o
que lhe havia prometido, dizendo a ele por três vezes: “Apascenta meu
rebanho” (Jo 21,15ss). Nos Atos dos Apóstolos, por diversas vezes
vemos Pedro no exercício desta autoridade lhe conferida por Cristo. Esse seu
papel de porta-voz de toda a Igreja está fora de discussão no Novo Testamento.
6.
É impensável que essa prerrogativa assim solene se refira somente aos primeiros
vinte ou trinta anos da vida da Igreja. Que esta teria cessado com a morte do
apóstolo. O papel de Pedro se prolonga em seus sucessores. E como Pedro morreu
como bispo de Roma, o bispo de Roma lhe sucede nesse ministério. A ligação
entre Pedro e Roma está relacionado a eventos posteriores e não são conteúdos
diretos das palavras de Cristo.
7.
Durante todo o primeiro milênio, este ofício de Pedro foi reconhecido
universalmente por toda a Igreja, ainda que interpretado diversamente no
Oriente e no Ocidente. Os problemas e divisões nasceram no milênio recém
terminado. O primado instituído por Cristo, como em todas as coisas humanas,
foi exercitado ora bem ora menos bem.
8.
O poder espiritual muitas vezes foi exercitado, por complexos fatores
históricos, misturado ao poder político e terreno, com todos os abusos que aí
cabem e com eles as divisões entre a Igreja Oriental e Ocidental. Desde Paulo
VI se vem abrindo um caminho de pedido de perdão, seja às Igrejas irmãs, seja
aos cientistas, como Galileu, e outras categorias que no passado foram
injustiçados pela Igreja católica e seu chefe.
9.
Esse caminho prossegue com maior coragem e humildade nessa estrada de conversão
e de reconciliação, mas o mistério de Pedro segue sendo sinal e fator de
unidade da Igreja, pois não podemos nos privar de um dos mais preciosos dons
que Cristo fez à sua Igreja.
10.
Pensar que bastaria a Bíblia e o Espírito Santo para interpretá-la, para poder
viver e difundir o Evangelho sem alguma espécie de liderança, seriamos a Igreja
que hoje somos? Basta olhar o modo como afloraram e afloram as divisões nas
chamadas igrejas protestantes e evangélicas.
11.
Hoje, as Igrejas buscam fazer um caminho comum em torno a Cristo, como um
caminho de conversão comum, e quem sabe, em torno a Ele e a partir d’Ele,
verdadeiro chefe e único fundamento da Igreja – poderão reencontrar o
verdadeiro e genuíno significado do mistério de Pedro.
12.Também
nós precisamos nos reconciliar com a Igreja. Não existe só o cisma externo,
jurídico, coletivo. Existe também o cisma, isto é, a separação, interna,
individual, do coração. Quando nós, como católicos, às vezes com desprezo,
apontamos sistematicamente o dedo sobre as suas fraquezas e queremos ficar de
fora.
13.
Já não dizemos “a minha Igreja”, mas “a Igreja”. Renegar a Igreja é como
renegar a própria mãe, porque foi ela que nos gerou pelo batismo e nos alimenta
pelos sacramentos e pela Palavra. Em meio a todas essas coisas e mudanças ao
nosso redor, haverá um momento em que a única coisa que nos dará segurança será
o sentir-se parte da Igreja. Seria um bom fruto da festa que hoje celebramos de
Pedro e Paulo.
*Com base em texto de Raniero
Cantalamessa.
Pe.
João Bosco Vieira Leite