(Gn 2,7-9; 3,1-7; Rm 5,12-19; Mt 4,1-11)
1. Para ilustrar as tentações sofridas
por Jesus ao longo do seu ministério a liturgia nos traz essa narrativa de
Mateus que as condensa em três aspectos. Mas a liturgia também nos diz que o
ser humano vem sendo tentado desde sempre, por isso introduz essa narrativa do
Gênesis, que traz um ensinamento religioso importante.
2. Essa narrativa de caráter simbólico
lembra ao leitor que há um limite que não deve ser ultrapassado. Somente Deus
pode nos dizer o que é o bem e o que é o mal. Nossa condição de criatura gera
confusão nas escolhas a serem feitas, ligadas muitas vezes às paixões que nos
regem, facilmente tomamos por bem o que é mal.
3. A serpente é a ilustração da
sutileza, do silêncio de como certas coisas sorrateiramente entram em nossa
vida e podem gerar a morte. Vende-se a falsa ideia de que Deus não quer o homem
plenamente livre e feliz. Nossa maior tentação é perder a confiança em Deus,
não mais se deixar conduzir por ele, por sua palavra. Estar nu é envergonhar-se
de si, descer ao nível mais baixo. Só os animais irracionais andam nus.
4. Esse denso texto de Paulo que se
segue nos coloca diante do mistério redentor de Cristo e da graça divina.
Contrapondo os dois personagens, Paulo avalia as consequências da escolha de
Adão. Cristo faz um caminho oposto. Segue na obediência e no acolhimento da
palavra do Pai traz ao mundo a superabundância da Graça, maior que os pecados
humanos. Cristo é o modelo a ser seguido.
5. Cristo, na sua condição humana
experimentou a tentação de deixar de lado o projeto de Deus, na esteira de
todos os grandes personagens bíblicos. Mateus quis dar plasticidade a uma
situação que Cristo sofreu internamente. Ele nos oferece essas três cenas onde
a história de Israel também aparece na sua travessia pelo deserto.
6. Israel lamentou, ao longo do
caminho, do pão que Deus lhes havia concedido, a ponto de ter saudade do Egito,
da terra da escravidão e da abundância. O diabo tenta Jesus no servir-se de seu
poder para criar a abundância, o ‘ter’ aparece como caminho de felicidade.
Jesus deixa claro que quem não se alimenta da palavra divina, pode até ‘ter’,
mas não será feliz. Não é com essa ideia de felicidade que lidamos todos os
dias?
7. Por vezes a nossa fé se parece com a
do povo no deserto, testando a Deus para ver se ele era realmente fiel à sua
aliança. Jesus se recusa a tal papel, uma vez que ele confiou no Pai, ele
seguirá até o fim. Não necessita de provas do seu amor, aprendeu a confiar.
Assim também somos tentados a desconfiar do amor de Deus se não nos concede as
coisas exatamente como queremos.
8. Outra grande tentação que nos rodeia
é aquela com relação ao poder. Julgamos ser a chave de tudo, mas sabemos até de
modo prático o que nos custou a ditadura do poder de alguns. Jesus compreende
que Deus é uma outra forma de poder que orienta o ser humano para uma vida
plena de sentido, capaz de humildemente servir. Só ele merece adoração.
9. É assim que Mateus provoca a sua
comunidade a refletir sobre as escolhas que estão fazendo, se elas estão sob a
luz de Deus, assim como fez Jesus. Assim é a quaresma, uma proposta de reflexão
e revisão.
Pe. João Bosco Vieira Leite