(Jl 2,12-18; Sl 50[51]; 2Cor 5,20—6,2; Mt 6,1-6.16-18)
Cinzas.
1. Nestes domingos que antecederam a
quaresma, estávamos acompanhando o sermão da montanha, e assim, nesse ano A
(Mateus), podemos dar uma sequência a nossa reflexão, a partir desse texto do
evangelho que se repete todos os anos para dar o tom de nossa piedade
quaresmal. São três instruções precedidas de uma advertência: a falsa prática
da “justiça”; não praticar as obras de piedade para serem vistos pelas pessoas.
Parece contradizer o convite a deixar que a nossa luz brilhe diante dos homens.
2. É uma contradição aparente, porque a
ideia de recompensa que buscamos é essa entrada na comunhão de vida com Deus.
Deus não recompensa um a um os resultados obtidos, mas concede a cada um que a
ele se entregou – não importa em que tempo – a recompensa plena. Ele mesmo é a
recompensa indivisa, que se oferece a todo aquele que acolhe sua oferta
gratuita e a ela responde por meio de ações. Se agimos para ser vistos,
elogiados, já não temos nada para receber de Deus.
3. Numa sociedade obcecada por
resultados, que tudo procura quantificar, aparece algo que não se pode
quantificar: o amor com que realizamos certos gestos. O Deus paternal vê no
segredo, conhece nosso coração melhor que nós próprios. Um amor que, também
diante de Deus, não leva em conta a si mesmo, experimenta como recompensa o
amor de Deus: o amor parecido ao de Jesus.
4. A oração constitui a instrução
central do sermão da montanha. Aqui temos uma pequena introdução que culminará
no Pai nosso. Salienta-se seu aspecto privado e de petição, muito cara a
mentalidade judaica. Censura-se a hipocrisia que faz da oração uma demonstração
na qual a pessoa exibe-se a outras pessoas, em vez de dirigir-se a Deus
somente.
5. Se a publicidade é buscada
conscientemente ou não, existe sempre o perigo de desconhecer a verdadeira
essência da oração. O quarto é apenas uma metáfora para o âmbito do qual todas
as demais pessoas são excluídas e onde o ser humano encontra-se completamente
para si e com o seu Deus e Pai. É no segredo, no escondido da existência que
Deus vai se manifestando, e a percepção é sempre ‘desafiantemente’ pessoal. Um
convite a levar a sério Deus como Deus e a ele somente dedicar toda honra e
adoração, e agradecer-lhe por sua imensa glória.
6. A advertência contra um
comportamento equívoco durante o jejum diz respeito, mais uma vez, aos
hipócritas que, sem sabedoria alguma, colocam a própria honra no lugar da honra
de Deus. Jejuar é mais que uma renúncia à comida e bebida. O jejum diz respeito
também a bens espirituais, tais como a obsequiosa e oportuna renúncia ao uso da
superioridade intelectual, das vantagens profissionais ou de ocasiões de
sucesso em favor de colegas malsucedidos etc. Tal jejum é um múltiplo treino no
único necessário. É a sempre renovada tentativa de se entregar, a fim de poder
cair nas mãos de Deus.
7. Como em todos os últimos anos aqui
no Brasil, a Quaresma nos faz encontrar a Campanha da Fraternidade (CF). Este
ano, mais uma vez, a preocupação se volta para a realidade ecológica:“Biomas
Brasileiros e Defesa da Vida”. Ainda estamos sob os ecos da Laudato
Si’ do Papa Francisco, tema que estudamos no ano anterior. O desafio
da convivência com os biomas, embora não seja tema tratado especificamente no
documento papal, se ilumina de modo particular com a reflexão a respeito da
interligação de todas as criaturas.
8. Ele convida a renovar o diálogo
sobre os sofrimentos que afligem os pobres e a devastação do meio ambiente, com
cada pessoa que no planeta habita. Ele afirma que Deus deu-nos de presente um
exuberante jardim, mas estamos a transformá-lo em uma poluída vastidão de
ruínas, desertos e lixo. Ele nos alerta para não nos redermos ou ficarmos
indiferentes perante a perda da biodiversidade e a destruição dos ecossistemas,
muitas vezes provocadas pelos nossos comportamentos irresponsáveis e egoístas.
9. Dentro desse espírito quaresmal de
conversão, debruçamo-nos sobre nossas riquezas e problemas. A conversão que
devemos a Deus, devemos também aos irmãos e irmãs e à Sua criação. Essa
realidade não diminui o espírito quaresmal. Ilumina-nos o texto do Gênesis,
compreendendo a missão do ser humano de ‘cultivar e guardar a criação’ (Gn
2,15). Nosso país é famoso por sua biodiversidade e cada vez mais tem se
tornado evidente nossa incapacidade de conviver com essa realidade, de
preserva-la. Permanece o desequilíbrio entre economia e ecologia.
Pe. João Bosco Vieira Leite