(Sf 2,3; 3,12-13; Sl 145[146]; 1Cor 1,26-31; Mt 5,1-12a)
1. Certamente já ouvimos falar da opção
preferencial da Igreja pelos pobres. Essa preferência, não exclusividade, tem,
num primeiro momento, um caráter político e econômico. Mas tem como base a
Sagrada Escritura. Por meio dos profetas vêm uma série de denúncias das
situações de exploração, injustiças, como enfrentou Sofonias, autor de nossa 1ª
leitura.
2. Mesmo anunciado o castigo divino,
ele propõe um retorno, uma busca do Senhor, procurando imitar os humildes e os
pobres. É a primeira vez que a palavra ‘pobre’ não indica uma condição social e
econômica, mas sim uma atitude religiosa interior: não tendo segurança alguma,
confia no Senhor e se submete à sua vontade.
3. A partir desse momento surge um
movimento espiritual caracterizado por essa atitude de confiança e entrega como
sinônimo de pobreza, que se espalha pela bíblia, particularmente nos salmos. É
dentro desse terreno que a mensagem de Jesus encontra a sua força de
compreensão e acolhimento.
4. Coincidentemente a palavra de Paulo
parece casar bem com o contexto da nossa liturgia de hoje. Paulo censura o
espirito de competição que se instalou na comunidade. A preferência de Deus vai
em duas vias: os que são colocados à margem, por sua pobreza material, e os que
se deixam conduzir por Ele. Uma preferência que confunde as disputas humanas.
5. Paulo quer lembrar que as
comunidades cristãs são tecidas por todo tipo de pessoas que enfrentam
situações diversas, e como faz o próprio Deus, é preciso saber acolher.
6. Mateus organizou em seu evangelho
vários discursos de Jesus, como esse que hoje iniciamos. Certamente uma
compilação de várias falas de Jesus transformadas num único texto. Nesse
discurso encontramos os elementos fundamentais da mensagem de Jesus. Mateus o
situa numa montanha, elemento simbólico do encontro com Deus. Se no passado,
por Moisés, Ele falou aos Israelitas, agora fala a todos os povos, no Filho,
que acolhem a Sua mensagem. Esta se abre com as bem-aventuranças.
7. No ano anterior, tiramos uma manhã
para voltar-nos sobre elas. Recolho algumas linhas gerais para provocar a nossa
reflexão.
8. A primeira bem aventurança traz em
seu cerne, a visão de Jesus sobre a nossa relação com os bens materiais. Não se
exalta a pobreza nem se condena a riqueza. Por uma decisão interior, é preciso
compreender a dinâmica da partilha que faz parte da vida e da qual depende a
sobrevivência de muitos. Entra também pelo terreno da renúncia de toda
arrogância, ambição, autossuficiência, poder e domínio sobre os outros. Muitas
outras coisas poderiam ser ditas, mas fiquemos por aqui.
9. No agir de Jesus vem uma consolação
e uma esperança a todo tipo de sofrimento ou aflição. Deus fará justiça. A
mansidão é a recusa ao uso da violência para restabelecer a justiça. Mas a sede
e a fome de justiça que reside no coração humano os fazem avançar por outros
caminhos. Aprenderão a dar a mão aos que necessitam.
10. A dinâmica de Jesus prevê um
coração que não cultiva sentimentos maus e procuram voltar-se para Ele,
buscando experimentar a Sua paz e transmiti-la ao mundo. Esse modelo de ser
humano desejado por Jesus não passa por esse mundo isento de conflitos. Jesus
os adverte que a luta por uma sociedade melhor mexe na confortável situação de
muitos.
11. Isso não deve ser lido como um
fracasso, mas uma tomada de consciência que o progresso do Reino se dará de
forma lenta, mas gradativa. Mas a frente esses pontos do discurso retornam de
maneira mais clara e até com sugestões de ação concreta. É certo que suas
palavras nos atraem e ao mesmo tempo nos desconcertam, mas antes de
descarta-las, deixemos cair no silêncio do coração, esse solo capaz de germinar
mudanças significativas.
Pe. João Bosco Vieira Leite