(Jr 1,4-5.17-19; Sl 70[71]; 1Cor 12,31—3,13; Lc 4,21-30).
1. No domingo anterior, vimos Jesus que
vai a Nazaré, sua cidade, e apresenta seu manifesto, seu primeiro ato
profético, revelando o seu mistério. A palavra que eles tinham ouvido falava
dele. Tudo culmina nele. Seus conterrâneos se encantam com suas palavras, mas
ao mesmo tempo têm dificuldade de compreender que Deus possa manifestar-se
assim, como um seu contemporâneo e o rejeitam.
2. Dizendo assim as coisas parecem
simples, mas o texto apresenta algumas dificuldades interpretativas nas
palavras de Jesus e nas atitudes dos nazarenos. Mas podemos interpretar pelo
viés que, assim como Lucas nos apresenta o programa de sua missão, ele
contemporaneamente nos oferece uma introdução ao que ocorrerá ao fim de sua
missão: sua paixão e morte.
3. Para ilustrar essa situação de hoje,
nossa liturgia nos traz a narrativa da vocação de Jeremias. Escolhido para a
difícil missão de anunciar a Palavra de Deus. Jeremias experimentou muitos
momentos de fracasso em sua missão. Mesmo sendo o profetismo algo precioso e
necessário a Israel, sempre acabava marginalizado e perseguido.
4. A Palavra que traz consigo é aquela
que Deus lhe confia, que constantemente denuncia o distanciamento das pessoas
do projeto divino. A dor de Deus passa a ser a sua, ao perceber as escolhas
erradas que faz o povo, gerando, muitas vezes situações de injustiça. Ele não
consegue calar-se. Em Deus está a sua força e a sua esperança.
5. O que experimenta Jeremias e o
próprio Jesus, é algo que faz parte da natureza da fé. Quanto mais dela nos
aproximamos, mais clareza vamos tendo da vontade de Deus; difícil não perceber
que às vezes, nós mesmos e também outros estão na contramão da proposta divina.
Pelo batismo, nos lembra o concílio, somos também profetas.
6. Em nós também habita um espírito de
timidez e medo, como em Jeremias, mas também somos convidados a crer que na
luta pela justiça não estamos sozinhos. Assim nossos passos se confundem com os
de Jesus quando tomamos consciência que o caminho pode ser difícil, mas como,
pela fé e pela palavra, esquecermos de nossa vocação de iluminar e estimular, de
orientar e corrigir, de confortar e reanimar?
7. Paulo vem nos falando nesses
domingos dos dons e carismas da comunidade, de percebermos a importância de
cada um para o bem comum, evitando qualquer tipo de rivalidade e competição
dentro da mesma. Mostrou-nos isso através da imagem do corpo e seus membros,
como tudo deve funcionar harmonicamente para o bem de todo o corpo.
8. Ele agora propõe algo que está acima
de todos os dons e carismas; apresenta a imagem de um caminho a ser feito; todo
caminho é progressivo, à meta se chega avançando. O caminho é o amor, a
caridade, porque Deus é amor. Primeiro ele eleva um hino de louvor à caridade,
afirmando sua superioridade aos outros dons.
9. É claro que Paulo conduz os seus
ouvintes a perceber que o amor humano tem suas limitações. Só amamos de modo
“perfeito” quando imitamos o amor divino. Podemos ter as melhores iniciativas,
ser dotados de excelentes qualidades, mas se não nos deixamos mover pela
gratuidade e desinteresse, em nós não estar o verdadeiro amor.
10. Como a expressão que já conhecemos:
“O amor é o que o amor faz”, Paulo nos insere num segundo momento, mostrando a
caridade como alguém que age. Ao final ele compara a caridade com os outros
carismas. Tudo passa e nos serviu, divertiu e distraiu por um tempo, só o amor
permanecerá, envolto no resultado do bem no que Deus nos permitiu
construir.
Pe. João Bosco Vieira Leite